Já pensou levar dois concentradores de oxigênio na bagagem de mão ? Marina de Andrade Kolya (39), professora, leva dois, carinhosamente chamados de Arlindão (5kg) e Arlindinho (2,3kg). A paulistana nasceu sem a artéria tronco-pulmonar - que liga o coração ao pulmão - e, quando concluiu sua graduação em pedagogia, descobriu uma hipertensão pulmonar. Desde então, ela precisa usar para dormir e fazer alguma atividade que requer esforço para seu organismo.
Foi com esta descoberta que os médicos quiseram limitar as andanças da Marina pelo Brasil e o mundo (ela já tinha feito alguns mochilões com amigas pela América Latina ). Foi só depois de pequenos trechos, em que ela cuidava para não comer nem beber nada - “Assim meu organismo ia focar a energia somente em respirar” -, que ela encarou um voo longo para Alemanha, junto da mãe e uma tia, para visitar seu irmão.
Gol da Marina
Apesar de ter ido para a Alemanha quando tinha seis anos para tentar descobrir o que causava sua dificuldade em respirar, foi nesta segunda vez que ela de fato precisou do cilindro de oxigênio. “O avião não tinha nem decolado e eu estava tão nervosa que ao levantar o encosto do avião, ele soltou e caiu na moça do banco de trás, que estava com uma roupa completamente branca e bebendo vinho. Ela ficou tão irritada - com razão -, que eu comecei a ficar muito ansiosa”, lembra Marina.
Observando a situação, sua mãe pediu para o comissário se existia um cilindro de oxigênio a bordo e teve uma resposta positiva. Apesar dele não ter durado até o final do voo, foi a primeira vez que ela usou o oxigênio fora de casa (pois usava para dormir) e fora do ambiente hospitalar.
Você viu?
“Quando a gente aterrisou, fui recepcionada pela equipe médica para ver como eu estava. Eles também orientaram que a companhia aérea fornecia o cilindro de oxigênio, eu apenas precisava reservar com antecedência.” Mesmo com a reserva feita, na hora de voltar - curiosamente, durante a Copa que o Brasil perdeu de 7 a 1 para a Alemanha -, a companhia alegou que a reserva do cilindro tinha sido feita com pouca antecedência, dando início a uma série de obstáculos.
Fronteiras burocráticas
Sua volta para casa demorou três dias para acontecer e ela só conseguiu voltar porque comprou outra passagem, por outra companhia - “Minha tia já estava vendo se era possível a gente voltar de navio !” Mais uma vez, Marina tomou o cuidado de não comer nem beber nada.
“As próprias companhias não querem transportar pessoas com necessidades especiais porque isso implica em responsabilidades para eles. Então existem diversos protocolos e burocracias para vencer a pessoa no cansaço, de forma que ela acabe desistindo da viagem”, explica Marina. Para levar os Arlindos - que vieram depois desta viagem para a Alemanha -, ela sempre está com atestado, exames e documentação dos cilindros em dia.
Desde então, ela, o marido e os Arlindos conheceram a África do Sul , Islândia , Cuba , Portugal , Holanda e Japão - que se tornou um sonho de Marina à medida que ela acompanhava um canal de viagens pelo YouTube. Quando foi afastada do trabalho, em 2016, ela deu início ao próprio canal ( Não viaja, Marina! ) e começou a partilhar suas andanças por aí.
E depois da pandemia?
“Não sei se tenho coragem de entrar em um avião de novo. Primeiro porque eu sempre achei nojento aquele mesmo ar circulando o tempo todo. Depois, eu não estou acostumada a usar máscara por muitas horas, pois desde o começo da pandemia eu só saio para consultas”, reflete Marina, que lá pelo fim da conversa vai pensando em todos os lugares do Brasil que ela ainda não conhece e são possíveis ir de carro ou até com um voo rápido.