Mariana Bueno em Nova York
Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana Bueno em Nova York

“Para viajar sozinha é preciso ter coragem!”, “Onde está o seu marido?” e “O seu marido deixou você sair sozinha?”, essas são algumas das várias perguntas que mulheres que decidem desbravar o Brasil e o mundo sozinhas ouvem com uma frequência bastante inconveniente.

Pela internet existem diversos grupos que abordam o assunto e mulheres que relatam a liberdade de viajarem sozinhas e  alguns perrengues que, devido ao preconceito social, acabam ocorrendo.

Em celebração ao Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta sexta, 8 de março, o iG Turismo conversou com a escritora Mariana Bueno, que aborda em formato de crônicas, histórias dela e de outras mulheres que a acompanham nas redes sociais. São mulheres que, como a autora define, são mais do que empoderadas, "são autossuficientes".

Experiências compartilhadas

Em seu blog intitulado “Mariana Viaja”, ela compartilha dicas de destinos, experiências de viagens e crônicas relacionadas ao universo feminino. Viajando sozinha há mais de 10 anos, ela sente que “as temáticas femininas foram ficando cada vez mais fortes” e que “não dá para falar de viajar sozinha sem abranger as questões sociais”.

Ela já havia escrito o “Eu não quero chegar a lugar algum” (2019), abordando, de maneira geral, assuntos relacionados ao tema. Agora a escritora usou sua experiência para escrever um segundo livro, intitulado “Nem louca, nem coitadinha, nem tão corajosa assim”, adaptando algumas de suas crônicas e adicionando vários textos inéditos.

“Não é um livro só sobre viagens, não é um livro só para mulheres. É um livro que vai fazer as pessoas viajarem nos textos, conhecerem alguns lugares pelos quais passei, mas, principalmente, refletirem sobre muitos desses pontos [...] e que ainda hoje faz com que nós mulheres sejamos tão julgadas em nossas decisões”, diz Mariana ao iG Turismo .

A autora fala ainda sobre a relação com seu público. Em 10 anos escrevendo para seu blog e nas redes sociais, Mariana é acompanhada majoritariamente por mulheres, mas também tem uma parcela masculina de seguidores, que também buscam por dicas de destinos ou têm suas próprias questões quanto a encarar uma viagem solo.

“Eu adoro a troca que a internet proporciona. Cada vez que alguém vem dizer que viajou ou que repensou alguma coisa por causa dos meus textos, eu fico feliz e vejo que vale a pena. Embora, em tese, eu esteja criando conteúdo e o meu público consumindo esse conteúdo, é uma via de mão dupla. Às vezes posto algo e penso ‘será que vão achar estranho?’ e logo vem gente dizer que também pensa assim. É algo que me fortalece também como mulher e estimula novos passos”, afirma ela.

Sobre o público masculino, ela pontua que é uma parcela menor, “mas as dicas de viagem são válidas para qualquer pessoa, então dos homens tenho retorno mais nesse sentido de gostar das dicas, não comentários sobre o fato de viajar sozinho”.

Nem louca, nem coitadinha, nem tão corajosa assim

Mariana em Havana, Cuba
Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana em Havana, Cuba

Segundo a autora, o livro é permeado por reflexões e questionamentos sobre papeis de gênero e destinos para os quais viajou sozinha. Um dos grandes tabus, quando se trata de uma mulher sozinha, são os riscos que certos destinos podem representar, algo que Mariana diz que prefere evitar, embora já tenha enfrentado seus próprios desafios.

“Eu não sou muito aventureira, não é o meu perfil. Então isso se reflete muito nas minhas escolhas de viagem. Acabo indo para lugares que são mais turísticos e/ou que têm uma estrutura melhor. E sou muito cautelosa também ao definir onde ficar, mesmo pagando mais caro para estar em uma região mais segura”, conta a autora.

Graças ao seu perfil cauteloso, pesquisando sempre para onde vai e onde irá ficar em seus destinos, ela nunca teve grandes problemas em relação à sua própria segurança, contudo, ela considera que isso ocorre devido a experiência que adquiriu ao longo dos anos como viajante independente.

“Minha primeira viagem sozinha, em 2013, foi para Havana ( Cuba ). Na época, não tinha acesso à internet. Eu não poderia contar com esse ‘facilitador’ de pesquisar um mapa, mandar uma mensagem, nem mesmo fazer um pagamento com cartão [de crédito]. Apesar de ter sido difícil em muitos aspectos, consegui me virar bem”, conta ela, que dá uma dica importante para quem planeja sua primeira viagem “solitária”.

“Sempre sugiro que as pessoas comecem por destinos mais próximos, mas eu de cara comecei assim e acho que foi bom também porque voltei ciente que qualquer outra viagem seria possível.”

Título do livro foi inspirado em crônica

O título do livro é uma referência direta à crônica “Nem louca, nem coitadinha e, talvez, nem tão corajosa assim” , escrita em 2018.

Por que insistem tanto em rotular uma mulher que viaja (ou faz qualquer outra coisa) sozinha? É só eu comentar algo – seja antes, durante ou depois da viagem – que as reações se repetem: Ou me acham louca. Ou sentem pena. Ou me veem como super corajosa.

No texto, ela relata algumas das diferenças no tratamento entre homens e mulheres, especialmente no que se refere a viagens. Um homem viajando sozinho é apenas um homem viajando, já uma mulher viajando “é muito corajosa”, ou “é sozinha”, ou mesmo “deve estar procurando um marido”.

“Acho que as perguntas sobre marido são as que mais ouço”, declara Mariana. “Se não tenho marido ou se o marido deixou. A gente está no século 21 e socialmente ‘conseguir’ um marido ainda é visto como objetivo”.

“Ser solteira é visto como um atestado de fracasso, ‘ninguém quis’ – e talvez a própria mulher é que não quis, né...”, comenta ela, acrescentando que “muitas ainda são educadas a se comportarem de determinado jeito, a se enquadrarem em determinadas regras, ‘senão nenhum homem vai te querer’”.

Mariana segue o desabafo afirmando que, mesmo quando há um grupo de mulheres, a presença de um homem ainda parece ser algo “necessário” para muitas pessoas.

“Vivemos em uma sociedade patriarcal e misógina. A mulher ‘tem de ter um homem’, como se fosse uma garantia de segurança. É uma forma de nos podar. Outro exemplo é que mesmo mulheres juntas, em dupla ou em grupo, são tidas como ‘sozinhas’ – ou seja, sem um homem junto.”

Como as coisas têm evoluído

Mariana em Lisboa, Portugal
Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana em Lisboa, Portugal

Viajando sozinha há mais de 10 anos, Mariana afirma que sente que, apesar de certos problemas ainda existirem, muito já evoluiu e o assunto já não é mais visto com os mesmos olhos de antes.

“Esse assunto começou a ser mais falado, não só em relação a viagens, mas questões femininas no geral. Sites e coletivos discutindo o papel da mulher na sociedade, as formas como ao longo da vida tentam nos limitar e mostram que mulheres podem fazer o que quiserem. E aí uma vai puxando a outra, uma faz e outra vê que também pode fazer”, diz Mariana.

Ela aponta que o período entre desde que começou a viajar sozinha e a escrever sobre isso coincidiu com o momento em que as mulheres “redescobriram” sua própria força. “Por outro lado, quanto mais as mulheres avançam, mais tentam ainda nos cercear, seja em termos de violência ou de direitos”.

Ela continua: “É só a gente ver os dados de violência contra a mulher que não param de crescer — e isso independe de viagem, é algo que acontece em casa porque a questão de violência não passa só pela segurança pública, passa principalmente pela misoginia.”

“Mas as informações, as tecnologias, tudo isso é positivo. Só desses assuntos serem falados já é um passo à frente”, ela acrescenta. “Hoje o número de mulheres que viajam sozinhas é crescente então acredito que para as mais novas ou até mais velhas que estão começando agora, já não parece algo tão diferente e amedrontador como foi para mim 11 anos atrás.”

“Uma mulher não deveria se sujeitar a isso”

Mariana Bueno em lançamento de seu livro “Nem louca, nem coitadinha, nem tão corajosa assim” Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana em Embu das Artes Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana Bueno em lançamento de seu livro “Nem louca, nem coitadinha, nem tão corajosa assim” Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana em Ubatuba Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana em Lisboa, Portugal Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana em Vale Nevado, Chile Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana em São Luís do Paraitinga Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana em Havana, Cuba Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana Bueno em lançamento de seu livro “Nem louca, nem coitadinha, nem tão corajosa assim” Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana em Nova York Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana em Embu das Artes Reprodução/Arquivo pessoal
Mariana em Paraty Reprodução/Arquivo pessoal
Lago Negro Mariana Bueno/Arquivo Pessoal
Snowland Mariana Bueno/Arquivo Pessoal
Cidade do Romeiro Mariana Bueno/Arquivo Pessoal
Passeio de barco pelo rio Mariana Bueno/Arquivo Pessoal
A clássica vista da Basílica de Aparecida Mariana Bueno/Arquivo Pessoal

Infelizmente, o pensamento retrógrado de que uma mulher “estar pelo mundo” sozinha é algo errado, é nutrido até mesmo por outras mulheres – por razões que vão desde religião, política, entre outras.

“Eu não culpo individualmente mulheres que têm esse pensamento porque socialmente somos, ainda, ensinadas a ser dessa forma”, diz Mariana. “A sociedade é machista, a gente recebe uma educação machista, o mercado de trabalho é machista, a gente vai se moldando muitas vezes até por sobrevivência. E, talvez, haja um conforto em estar nessa posição sem questionar muito, apenas seguindo.”

Mariana acredita que para mudar o pensamento preconceituoso, que ainda prende muitas pessoas em seus próprios “casulos”, é preciso continuar levando o tema adiante: “Acho que o caminho é continuar falando sobre liberdade feminina, sobre autonomia, e em algum momento isso vai ecoar nessas pessoas.”

“Mesmo que não seja para viajar, mas para buscar outros caminhos que são verdadeiramente desejados por cada uma. Sei também que muita gente entende, na teoria, que é possível, mas não tem coragem porque envolve muita coisa, às vezes até rompimentos. Então desejo que consigam desenvolver essa força interior, mesmo que começando aos poucos. Tomar um sorvete sozinha, sair para uma caminhada, buscar na internet referências com as quais se identifiquem... aos poucos cada uma vai desenvolvendo essa confiança de se libertar”, finaliza.

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