Viajar sozinha tem seus riscos, mas traz uma grande sensação de empoderamento e liberdade
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Viajar sozinha tem seus riscos, mas traz uma grande sensação de empoderamento e liberdade

Viajar e conhecer novos lugares, pessoas e culturas é uma experiência enriquecedora e marcante, traz prazer e desafios para qualquer pessoa, especialmente quando se faz isso sozinha e é preciso “se virar” por conta própria em um país onde, em alguns casos, nem se entende o idioma.

Para as mulheres, no entanto, os desafios podem ser ainda maiores, além dos receios comuns, como se perder ou ser vítima de um assalto, elas correm riscos piores como assédio, ser vítima de estupro ou condenadas por não usar um véu em um país islâmico, algo que nenhum homem jamais conseguiu imaginar.

Renata Porto , Vanessa Rosseto e Paula Kotouč contam ao iG Turismo  algumas de suas experiências ao desbravar o mundo sozinhas e momentos constrangedores – e até assustadores – que vivenciaram por serem mulheres explorando o mundo.

'É uma experiência que toda mulher deveria fazer ao menos uma vez na vida
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'É uma experiência que toda mulher deveria fazer ao menos uma vez na vida", diz Renata Porto

Paula, por exemplo, já viveu situações desagradáveis em passeios. Ela recorda de uma viagem que fez a Natal, no Rio Grande do Norte, quando comprou um passeio de barco e o barqueiro começou a conversar com os passageiros. Tudo parecia muito divertido até que surgiu o assunto de relacionamentos e eu era a única solteira ali.

"Ele criou a própria conclusão de que eu estava encalhada e procurando alguém para me relacionar e começou a me ‘bombardear’ com dicas de lugares bons pra pegação - em Pipa. ‘Se você está solteira, não faz o menor sentido estar em Natal. Quando voltar para o hotel, faça check-out na hora e vá para Pipa, lá só não transa quem não quer’. Na cabeça dele, não haveria outro motivo para viajar sem ser conhecer gente e ‘me livrar da minha vida solitária’. Duvido que ele falaria isso para um homem viajando sozinho.”

Ela também comenta que adoraria conhecer vários destinos, mas, por ser mulher, não se sente confortável. Vanessa concorda e salienta que definitivamente os homens não enfrentam os mesmos problemas das mulheres durante uma viagem solo.

“Infelizmente a segurança é algo que precisamos nos preocupar como mulheres. Como eu sou carioca, acabo achando qualquer lugar mais seguro que o Rio de Janeiro. Horrível, mas real”, salienta.

Ela lembra de uma situação terrível que passou em uma viagem à Índia quando andava "armada" com um spray de pimenta no país para se livrar de qualquer situação perigosa.

“Não cheguei a usar, mas passei por uma situação bem constrangedora e desagradável com um motorista de rickshaw em Mumbai. Ele estava se tocando enquanto olhava para mim pelo retrovisor. Eu fiquei em choque! Gritei e saí correndo.”

Já Renata conta que uma das piores situações que já vivenciou foi em uma viagem à Casablanca, no Marrocos. Na ocasião, ela estava acompanhada de outras duas mulheres que conheceu durante a viagem.

“A gente estava caminhando para conhecer as feirinhas e mercados do centro e nosso destino final era o Rick´s Café, um restaurante superfamoso lá, onde foram filmadas algumas cenas do filme Casablanca”, ela conta.

Ao andar pelo local, mesmo que não estivesse sozinha, Renata lembra de não ter se sentido confortável e de ter ficado com medo, devido aos olhares e comentários dos homens locais.

“Eles ficavam olhando a gente, comentando e chegando superperto e, como eu falo francês, entendia os comentários que não eram nada agradáveis”, lamenta. “A gente já imagina que vá acontecer o pior.  Infelizmente, corremos certos riscos sim em alguns lugares por ser mulher”.

Para ela, esse é um dos problemas de se viajar sozinha: “Me sentir insegura (com relação a assalto e assédio) em algumas cidades e destinos e, às vezes, até com medo de que algo aconteça comigo e ninguém nunca ficar sabendo, justamente porque eu estava sozinha naquele momento”.

Ela dá dicas de como amenizar o sentimento: “Eu sempre pesquiso muito sobre cada destino, procuro me hospedar em regiões centrais e movimentadas e, dependendo do lugar, faço passeios com grupos de turismo e com guias de viagem.”

Nem tudo são flores, mas o lado positivo compensa

Renata Porto em visita à muralha da China
Reprodução/Arquivo pessoal
Renata Porto em visita à muralha da China

Um dos grandes pontos positivos ao viajar é a sensação de se estar livre e aprender “na marra” tudo o que é preciso para viver em diferentes ambientes. Renata diz que viajar sozinha lhe trouxe mais sensação de liberdade, independência e ajudou a perceber que pode fazer qualquer coisa sozinha.

"Posso desbravar lugares, me aventurar, ‘me virar’, resolver problemas em qualquer país e fazer várias amizades, conhecer outras mulheres que também estão viajando sozinhas e fazer contatos pelo caminho”, afirma a carioca.

E reforça: “É uma experiência de autoconhecimento e você pode fazer sua programação no seu tempo. Costumo dizer que é algo que toda mulher deveria fazer ao menos uma vez na vida, mesmo que seja dentro do Brasil”.

Por ser muito comunicativa, ela diz, sempre teve vontade de aprender outros idiomas para pode se comunicar com o máximo de pessoas possível.

“Mesmo assim, já estive em países onde não falava o idioma local e as pessoas quase não falavam inglês, como em Tianjin, na China. Tive muita dificuldade para me comunicar com o taxista e explicar onde eu queria ir, expliquei umas três vezes ele falava ‘ok’, mas na verdade não tinha entendido nada. Nessas horas, a gente se comunica como dá, por mímicas, palavras soltas, mostra foto do lugar, tenta usar um app de tradução porque o nome do lugar em mandarim é diferente do nome em inglês. No fim ele entendeu para onde tinha que me levar e deu tudo certo.”

A primeira viagem ao exterior

Renata Porto em Kotor, Montenegro
Reprodução/Arquivo pessoal
Renata Porto em Kotor, Montenegro

Para Renata, a primeira viagem internacional foi também a mais marcante de sua vida. Ela havia completado 18 anos recentemente e era a primeira vez que ficaria longe da família por três meses, e em um país diferente. Ela estava indo realizar seu sonho de trabalhar na Disney, em Orlando, durante as férias da faculdade de hotelaria.

“Foi inesquecível. Primeiro porque passei por um longo processo seletivo durante o ano, em que a maioria das pessoas não é aceita. Morei em um apartamento com outras cinco meninas que nunca tinha visto na vida e precisei cuidar de coisas corriqueiras, que nunca tinha feito antes porque ainda morava com meus pais na época”, continua.

“Abrir conta em um banco americano, pagar aluguel, aprender como me locomover na cidade, na época não tinha motoristas por aplicativo. Tive até que passar por um procedimento médico pela primeira vez na vida, fora do meu país e longe da minha família”, lembra Renata, que afirma ter sido uma experiência que a marcou como pessoa e como profissional.

Vanessa também fez sua primeira viagem ao exterior a trabalho quando tinha 18 anos e teve experiências semelhantes como dançarina em um cruzeiro que circulou por países da Ásia - como Tailândia, Malásia e Cingapura - aproveitando o tempo livre e os dias de folga para explorar a cultura local.

“É tão maravilhoso poder criar e mudar a rotina nos países sem precisar esperar ninguém [risos]. Também acredito que você abre o olhar para experimentar as culturas de verdade, fazer amizades locais, desbravar a culinária e ser 100% você. Descobrir novos desejos sobre si mesmo é realmente revigorante, por mais clichê que possa parecer.”

+ Leia também: Liberdade e autoconfiança: vantagens e experiências de viajar sozinho

Já Paula teve sua primeira experiência totalmente sozinha pelo mundo quando conheceu as capitais da França e da Inglaterra.

“Foram experiências completamente diferentes”, disse Paula, ao comparar com viagens que havia feito anteriormente com familiares, quando se sentia livre por estar em um local diferente, mas sem os mesmos desafios e sensações que passou por Paris e Londres.

“Me virei no inglês (na época, o meu era péssimo, mas deu certo), mas em Paris me senti sozinha pela primeira vez e não necessariamente de forma positiva”, lembra Paula.

“Não falo francês, estava sem internet, decorei os caminhos que faria de metrô e estaria tudo certo se não fossem os detalhes... o primeiro foi que havia manifestações e uma das linhas do metrô - logo a que eu precisava - estava interditada.”

Paula Kotouc na Cidade do México
Reprodução/Arquivo pessoal
Paula Kotouc na Cidade do México

Ela conta que as pessoas tentavam ajudar informando o nome dos lugares para onde ela deveria seguir – ao menos é o que ela acredita, já que o sotaque dos franceses tornava as palavras bem diferentes de tudo o que ela já havia lido. Para piorar o perrengue, ela lembra, passou mal com queda de pressão.

“Estava um dia quente demais e quando me dei conta, estava enxergando tudo preto. Precisei parar um pouco e decidi tomar um sorvete para me refrescar, mas quem disse que eu sabia pedir um? Apontei lá algo que parecia morango e deu certo. Aliás, o tempo todo que eu queria pedir algo para comer era apontando. ‘Crêpe au chocolat’ não tinha erro: crepe de chocolate. Por sorte, sabia, nem sei como, que ‘formage’ era ‘queijo’, então "crêpe au formage" também era sucesso. E ‘coke’ é universal (eu não sabia pedir nem água, apesar de que quando era lugar de pegar e pagar, eu escolhia beber isso).”

Para Paula, toda a dificuldade que passou em Paris foi como uma escola que a ensinou a “se virar”, então, quando chegou a Londres, era uma pessoa diferente e estava muito mais confiante.

Renata Porto em Veneza, Itália
Reprodução/Arquivo pessoal
Renata Porto em Veneza, Itália

“Ali, eu era outra pessoa - na Inglaterra, minha internet estava pegando, então ter onde pesquisar também ajudou. Não era mais a mesma que havia chegado em Paris. Ali, sabia que podia tudo e que nada daria errado - acredito que a sensação de segurança de lá, melhor que a de Paris, também tenha ajudado”, afirma Paula.

Paula relembra locais que visitou em Londres, como ruas medievais, museus e até um show em Coventry – a cidade mais bombardeada na Segunda Guerra Mundial –, mas também teve seus momentos. Ela considerava ideia de ir conhecer Southampton e Winchester, mas deu errado quando, já na rodoviária, recebeu um e-mail com o cancelamento do Airbnb onde dormiria por duas noites.

“Isso não me abalou porque eu estava segura o suficiente para pensar no que fazer. Londres, foi, talvez, a melhor experiência da minha vida! Depois, voltei a Paris, me virei bem melhor que na primeira, mas nenhum lugar do mundo me fez me sentir tão independente como Londres. Foi onde descobri o prazer de viajar sozinha” afirma.

Encarar o desconhecido pode ser a ‘cura para a timidez’

Ser uma pessoa extrovertida e comunicativa ajuda, e muito, na hora de decidir fazer uma viagem sem nenhuma acompanhante para dar aquela força. Porém, muitas pessoas sentem dificuldades de exercer atividades sociais mais simples por questões como timidez.

A psicóloga Fabiana Antonelli e a psicanalista Ana Tomazelli divergem quando o assunto é "uma viagem pode ser um meio para se libertar dessas 'amarras'?". Para a primeira, quem é tímido, retraído, sempre deixa o outro resolver e decidir e acaba não opinando sobre detalhes importantes da viagem.

"Então, neste caso, viajar sozinho seria libertador, pois a pessoa se vê responsável por planejar, decidir e aproveitar a viagem e certamente, é um aprendizado que levará para a vida”, explica.

Já para a psicanalista , idealizadora do IPEFEM (Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas), no entanto, isso nem sempre acontece.

“Há pessoas introvertidas que vão experimentar um nível ainda maior de introversão, quanto mais sentirem que um determinado lugar seja ameaçador, no sentido de imprevisibilidade e suspensão de suas certezas, ou seja, daquilo que é mais conhecido”, analisa.

A psicanalista explica que há um espectro em pessoas evitativas , que vão desde a dificuldade para pequenos traquejos sociais, até, de fato, a fobia social, que é uma das categorias catalogadas nos transtornos de ansiedade.

Embora a sensação de “encarar o desconhecido” seja positiva e gratificante para muitas pessoas, para outras isso traz ainda mais insegurança. Antonelli argumenta que o desconhecido traz medo, mas, quando alguém decide viajar sozinho, e o faz, já deixou de lado alguns medos.

"Na verdade, sempre ouvimos que é perigoso, que algo de errado pode acontecer, principalmente com as mulheres. Para que o desconhecido não traga medo, planejar a viagem é imprescindível. Estar em um lugar desconhecido é um desafio, um aprendizado”, afirma.

Tomazelli, por outro lado, considera que um lugar diferente, justamente pela condição de desconhecido, pode “disparar gatilhos muito variados em sua gravidade”, dependendo do quão distante é a cultura do lugar para onde se viaja.

Outro ponto a ressaltar, de acordo com Tomazelli, é a diferença de sensações que alguém pode sentir em suas particularidades.

“Principalmente se pensarmos em relação a gênero, há lugares que oferecem mais risco para as mulheres em relação às violências físicas e emocionais - portanto, a sensação de insegurança aumenta, principalmente se a mulher estiver viajando sozinha”, destaca a psicanalista.

“O nível de insegurança também vai variar de pessoa a pessoa, a depender do que cada uma precisa para se sentir no controle e, ainda, a capacidade de lidar com imprevistos, outros idiomas, questões de saúde, entre outros”, finaliza.

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