O Theatro Municipal é um dos mais tradicionais pontos turísticos da cidade de São Paulo, inaugurado no dia 12 de setembro de 1911. Projetado pelos arquitetos Ramos de Azevedo, Domiziano Rossi e Cláudio Rossi, o edifício foi considerado uma obra de grande porte à época. Eles foram influenciados, principalmente, pelos prédios europeus, como a Ópera de Paris, que detém características renascentistas e barrocas. A grandiosidade do empreendimento era tamanha que a sua construção demorou oito anos para ser concluída.
Segundo o Núcleo de Acervo e Pesquisa do Theatro Municipal de São Paulo, a fundação do imóvel significou um marco tanto na história cultural da cidade, quanto na sua continuação como metrópole. No início do século 20, a capital paulista estava em profusão: novas tecnologias não paravam de surgir e cada vez mais indústrias chegavam à cidade. Desse modo, com o sucesso da economia cafeeira e, consequentemente, com o aumento de capital dos empresários, a elite paulista começou a ansiar por um ponto de encontro que fosse o símbolo de toda essa pompa.
Tal desejo culminou, portanto, na inauguração do Municipal, uma casa de ópera moderna que se tornaria um polo cultural e artístisco de São Paulo. Além disso, o levantamento do edifício foi um dos principais responsáveis por uma mudança drástica na reurbanização da cidade. Isso porque a região na margem esquerda do Vale Anhangabaú, chamada de Centro Novo, passou a ser ocupada pela elite. Com isso, várias opções de comércio e lazer foram transferidas para esse lado da metrópole, trazendo mudanças urbanísticas e o aumento da especulação imobiliária.
A Semana de Arte Moderna
A Semana de Arte Moderna foi um evento multiartístico que contou com palestras, exposições, leituras de poemas e de trechos de romances, além de apresentações musicais. Assim, entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, o Theatro Municipal recebeu um grupo de artistas que queria romper com os modelos de arte que eram realizados até então. De acordo com Gênese Andrade, doutora em Literatura Hispano-americana pela USP, os participantes buscavam expressões artísticas modernas, que representassem as mudanças que aconteciam em São Paulo.
A especialista ressalta que existem controvérsias sobre quem teve a ideia, contudo os nomes que viabilizaram o evento são: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Di Cavalcanti, Guilherme de Almeida, Rubens Borba de Moares, Graça Aranha, Paulo Prado, René Thiollier, Anita Malfatti, Zina Aita, Regina Gomide, John Graz, a inclusão de obras de Victor Brecheret, Vicente do Rego Monteiro, Villa-Lobos, Guiomar Novaes, Lucila Villa-Lobos, Paulina d’Ambrósio, Antonio Moya e Georg Prsirembel, entre outros.
“A proposta de um evento que reunia obras de várias linguagens artísticas que se propunham a romper com o passado causou muito impacto. A cidade estava em crescimento, mas mesmo as pessoas da elite eram conservadoras quanto ao gosto estético. Estava reunido em São Paulo um grupo de jovens artistas que vinha desde 1915, mais ou menos, atuando em jornais, fazendo exposições e apresentava novas propostas estéticas. São Paulo crescia graças ao êxito do comércio do café; surgiam os edifícios, os viadutos, chegara a eletricidade, havia grande crescimento populacional devido à chegada dos imigrantes. Tudo isso impulsionava o desejo de modernização também nas artes”, explica Gênese.
Por que o Theatro Municipal?
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Conforme afirma o Núcleo de Acervo e Pesquisa do Theatro Municipal de São Paulo, em 1922, a Semana de Arte Moderna chegou como uma crítica às celebrações oficiais que ocorreram naquele ano: o centenário da Independência, com a Exposição Internacional do Centenário da Independência na capital federal.
“Na ocasião, o grupo dos modernistas de 1922 escolheu o Theatro Municipal de São Paulo justamente por ele ser um centro de fruição das artes para a elite, um espaço nos moldes europeus, de arte erudita, um espaço de cultura do mundo moderno. Assim, os modernistas de 1922 queriam propor uma transformação cultural e representavam uma inquietude estética e política”, detalha o Núcleo.
Ao final da Semana de Arte Moderna, o modernismo entrou de vez no cenário brasileiro. Esse processo envolveu a imprensa, instituições culturais, a crítica literária, historiadores e curadores, fomentando o desenvolvimento de uma política de aquisição de obras de arte e de uma política cultural praticada pelo governo. Nas décadas seguintes, o Theatro Municipal sediou diversas comemorações sobre a Semana de Arte Moderna. Nessas datas, o local promoveu debates sobre o episódio e evidenciou novos artistas e intelectuais.
O Theatro Municipal na atualidade
Se na década de 1920 o Theatro Municipal só recebia a burguesia paulistana, hoje é um ponto cultural democrático, frequentado por pessoas das mais variadas condições financeiras. “Ao longo da história do Municipal, havia o desejo da elite paulistana de mostrar que São Paulo era uma cidade moderna e rica. A própria arquitetura do Theatro colabora para reforçar essa distinção social, pensada como um espaço para reunir os membros da dita sociedade paulista abastada. Com o tempo isso foi se modificando”, afirma o Núcleo.
Hoje, a programação do lugar é composta por espetáculos gratuitos e apresentações que custam de R$ 10 a R$ 20. Também existe uma política de apoio para vistas educacionais, eventos para o público infantil, espetáculos, grandes produções de ópera, dança, coral, concertos musicais e várias outras atividades artísticas.
Gênese Andrade ainda explica que a democratização do espaço começou apenas nos anos 1930, em virtude das ações de Mário de Andrade. Em 2019, o Municipal foi palco do show “AmarElo”, do cantor Emicida. No livro “Modernismos 1922-2022”, lançado pela editora Companhia das Letras em 2022, Gênese Andrade aponta como o evento também foi marcante para a história do prédio.
“Em 2019, a imagem do Theatro circula em vídeos e fotografias coloridas - lotado de jovens que ali entram pela primeira vez, vindos de bairros distantes e com referências sociais e culturais as mais diversas -, em evento capitaneado por Emicida, que, entre outros temas fundamentais, revisita a Semana acima de tudo para questionar o lugar dos negros na cultura brasileira, seu ocultamento ao longo do tempo, o pouco destaque dado à negritude de Mário de Andrade, o diálogo dos Modernismos com a cultura popular e as questões sociais”, destaca.