Formas alternativas de moradia e viagem se destacaram bastante durante a pandemia, o que fica nítido devido ao aumento dos adeptos ao motorhome, por exemplo. E que tal morar em um barco? Essa é uma das possibilidades de levar uma vida longe da agitação urbana, com a disponibilidade de conhecer todas os destinos que estiverem ao alcance.
Michel Icart e Marina Rosa levam exatamente esse tipo de vida, velejando por todo Brasil. Os dois se conheceram em um intercâmbio universitário do programa Ciência Sem Fronteiras, e, por meio dele, passaram um ano e meio em Syracuse, cidade no interior do estado de Nova York, nos Estados Unidos. Únicos do grupo de intercambistas brasileiros que cursavam Design, eles se identificaram de primeira, tanto que quatro meses depois, começaram a namorar.
Marina conta que, por terem se conhecido justamente em uma viagem, ela e Michel tinham uma conexão muito grande com isso e gostavam de visitar todos os locais que estivessem à disposição para conhecer, novas paisagens e culturas. Ela pontua ainda que ambos temiam como seria o dia a dia deles quando voltassem ao Brasil, pois o fantasma da rotina os assombrava. De início, o motorhome foi até cogitado.
“Durante o intercâmbio, mesmo com as finanças limitadas, economizávamos em tudo para conhecer outros estados dos EUA nos feriados. Imaginávamos como seriam nossas vidas após o retorno ao Brasil e temíamos entrar na rotina de trabalho num escritório em um grande centro urbano. Não queríamos ver nossa juventude passar sem vivê-la ao máximo e conhecer mais do mundo que chamamos de casa. A experiência fora do país nos mostrou que poderíamos sonhar e correr atrás de um estilo de vida que unisse trabalho, moradia e viagens. A primeira ideia foi um motorhome, até que numa tarde de devaneios sobre o futuro, o Michel propôs: ‘E se fosse um barco?’”, relata ela.
Para conseguir realizar esse feito – que de início pareceu absurdo –, Marina explica que foi necessário muito planejamento e dedicação por parte dos dois, afinal comprar um barco não é exatamente a tarefa mais simples do mundo. Após se formarem, os dois embarcaram em trabalhos como fotógrafos em cruzeiros justamente para se familiarizar com a realidade dos mares.
“Traçamos nosso plano financeiro, estudamos muito sobre barcos, pois nenhum de nós tinha tido contato com o mundo náutico antes e, assim que terminamos a faculdade, fomos trabalhar em navios de cruzeiro como fotógrafos. Essa experiência nos aproximou do mar, proporcionou nossas primeiras travessias oceânicas, nos levou a muitos países e permitiu que juntássemos a quantia necessária para comprar nosso primeiro barco”, relembra Marina. “Como já trabalhávamos com câmeras no navio, começamos a compartilhar fotos e vídeos da nossa experiência morando no mar, em um veleiro de 26 pés (menos que 8 metros de comprimento), e desde então somos criadores de conteúdo digital para diversas plataformas no perfil MotionMe”.
O casal atualmente possui um perfil no Kwai com mais de 554 mil seguidores que acompanham o dia a dia dos dois, destacando-se no segmento de viagens. Porém, até chegarem a essa marca, muitos perrengues entraram no caminho, principalmente porque morar em um barco é uma mudança bastante radical em termos de estilo de vida e conforto, principalmente. “A adaptação para morar em um veículo de esporte/passeio nem sempre é fácil, mas no nosso caso foi mais tranquilo do que imaginávamos. Depois de quatro anos de planejamento para estarmos ali, a ida para o veleiro foi a realização de um sonho. Porém é impossível se fazer uma mudança de vida tão drástica e não se deparar com dificuldades”, explica Marina.
Ela ressalta que as primeiras dificuldades foram com alimentação, banhos e tarefas do dia a dia que são banais em uma casa, mas precisam de uma logística muito própria quando se está no meio do oceano. No barco deles, por exemplo, não tinha geladeira, então adaptaram toda a alimentação por conta disso e viveram assim por um ano e meio, até estarem em um barco um pouco maior.
"Além disso, no barco não tinha água quente, então os banhos no inverno tinham que ser de balde, com água esquentada no fogão. Tarefas simples, como tirar o lixo ou abastecer de água, começaram a nos exigir mais tempo, pois precisavam de curtas viagens para terra”, explica. Se pudesse destacar apenas um perrengue como o maior de todos, Marina prontamente declara que os cuidados com o barco em si com certeza foram um desafio. “Nossa principal dificuldade foi com as manutenções do veleiro, principalmente com o motor, que exigia tempo e investimento. Por conta disso, hoje estamos projetando um barco elétrico”, esclarece.
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Ao ser questionada sobre as vantagens dessa mudança de vida e das formas alternativas de viagem e moradia, Marina destaca principalmente a expansão da rede de contatos e o fato de se manter em atividade constante – além, é claro, da possibilidade de conhecer todos os cantos do país. “Morar em um veleiro nos aproximou da natureza, nos reconectou com nossos propósitos, nos mantêm em constante atividade, nos trouxe muitos amigos e nos levou para lugares que sequer sabíamos que existiam”, pontua. Esse dia a dia, de acordo com ela, transformou muito a forma como o casal enxerga a vida, e ela deixa claro que os dois não pretendem trocar essa experiência por nada.
“Nada como um desafio que te leva a expandir seus limites de mundo. Hoje não queremos outra vida e nos dedicamos a criar soluções inteligentes para que moradas alternativas sejam mais viáveis. Nosso universo gira em torno disso e esperamos impactar positivamente a vida das pessoas por meio das nossas mídias, onde quer que a gente esteja”, e ainda complementou: “Viajar abre sua cabeça para realidades muito diferentes, e com o Brasil sendo um país tão vasto nem precisa de visto ou muito dinheiro para sair de nossas cápsulas e expandir nossa visão de mundo. O país é lindo em muitas faces, sotaques, paisagens, cores, tradições, tribos, cantos, trejeitos e há muito de nossa própria terra que sequer conhecemos. É isso que mostramos diariamente em nossas mídias, tudo vai muito além do que falar de barcos”.
Marina foi questionada pelo iG Turismo sobre qual dos destinos brasileiros mais fisgou o casal, e a resposta foi certeira: Paraty. Tanto ela quanto Michel tiveram identificação imediata com o local e sentiram-se bastante à vontade para explorar tudo que o destino pôde oferecer a eles, além de terem ficado por lá durante um bom tempo. Foi nessa região que aprenderam muito sobre velejar.
“Nos identificamos de cara ao chegar na cidade, com nossas malas cheias de sonhos e para nossa alegria, lá encontramos nosso primeiro barco. Foi ali que aprendemos a velejar, tivemos nossos primeiros encantos e sustos no mar. Exploramos muitas ilhas e praias remotas. Lá encontramos, compramos e restauramos um barco abandonado que passou a ser nossa segunda casa... no fim, o que era para ser dois meses em Paraty, se tornou quase dois anos”, relembra.
Ela ainda conta com bom humor sobre como as pessoas normalmente ficam surpresas e bastante curiosas ao ficarem sabendo que os dois moram em um barco, afinal de fato é algo inusitado de se ouvir ainda. Por conta disso, Marina considera o crescimento do perfil deles nas redes sociais muito importante, pois o conteúdo que produzem acaba servindo de inspiração para muitas outras pessoas – e com isso vem uma boa carga de responsabilidade.
“É muito legal ver a expressão de surpresa de alguém sempre que a gente diz que morou por anos num barco. Sempre chama atenção e induz muitas perguntas, acredito que isso foi vital para o crescimento do perfil MotionMe nas redes sociais. Nossa história desperta curiosidade e inspira a buscar sonhos, sejam eles o que forem. Somos apenas comunicadores de um propósito que vai muito além de nós e estamos aqui para mostrar que, com dedicação, o impossível pode se tornar uma realidade”, diz.
Há uma pergunta que não quer calar: e a solidão? Afinal, passar bastante tempo no mar, apenas na companhia um do outro pode acabar sendo uma jornada bastante isolada, de modo geral. Ao ser questionada sobre isso, Marina confidencia ao iG Turismo que a comunidade náutica é muito grande e unida, seja em mar ou em terra, então é fácil ter acesso a algum tipo de apoio sempre que for necessário.
“A comunidade náutica é bastante unida, há muitos grupos, inclusive virtualmente, que se ajudam de diferentes partes do Brasil e do mundo. Além disso, o canal nos possibilita contatos de pessoas e empresas que têm interesses semelhantes, seja por barcos, tecnologia e inovação, sustentabilidade. O que poucos sabem é que existem mais pessoas morando em barcos do que se imagina por aí, então ao escolher um estilo de vida assim, sempre há alguém mais experiente ou pronto para te acolher”, explica ela.
Para o futuro, Michel e Marina estão mirando em um novo barco, com conceito e sistema próprios para garantir mais conforto, funcionalidade, proteção ao meio ambiente, e é claro, manter-se sempre em movimento. Hoje os dois estão projetando um terceiro barco, que será um catamarã sustentável pensado para morar a longo prazo e viajar pelo mundo todo.
"Ele será feito de alumínio para melhorar a resistência e durabilidade e terá diversos sistemas que otimizam a vivência a bordo, incluindo desde sistemas simples como captação de água da chuva, até soluções tecnológicas como produção de peças em 3D no próprio barco. Será um barco conceito que trará inspirações a serem aplicadas em outros barcos e até mesmo em casas e apartamentos, mostrando que é possível viver causando menos impacto ao ambiente, de forma criativa e saudável, sem abrir mão do conforto e utilizando a tecnologia a nosso favor. A ideia é cutucar, inspirar, aprender, questionar, experimentar, errar e criar”, conclui.