Família deixa carreira e apartamento para viver em motorhome; “Foi uma das melhores decisões de nossas vidas”
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Família deixa carreira e apartamento para viver em motorhome; “Foi uma das melhores decisões de nossas vidas”

Clara, Bruno e Bernardo formam uma família nômade, ou seja, não têm residência fixa. Eles sempre foram apaixonados por viajar, mas foi em 2019 que optaram por abandonar a carreira e o apartamento para viver nas estradas, em um motorhome. Bernardo, de seis anos, conhece pouco da vida considerada tradicional, pois logo nos primeiros anos foi apresentado ao estilo de vida itinerante. A ideia de mudar drasticamente, no entanto, foi inicialmente plantada pelo marido, Bruno, que conheceu o motorhome ainda quando criança.

“Tinha visto os motorhomes e trailers só quando era pequeno num camping em Caldas Novas [interior de Goiás], cidade das águas quentes. Só via de longe ou em filmes americanos e parecia algo muito distante na nossa realidade. Em 2018, começamos a assistir canais no youtube que mostravam viajantes em diferentes tipos de veículos e decidimos que íamos fazer um carro viajante. Apostamos em uma barraca de teto com uma minicamper artesanal sobre uma caminhonete e assim saímos para viver na estrada. Participamos de alguns encontros de viajantes e entramos pela primeira vez em um motorhome de verdade com cama, banheiro, cozinha e tudo mais, então passamos a sonhar com algo do tipo”, relata. 

A partir de então, o casal passou a buscar a melhor forma de construir o próprio motorhome. Desse modo, durante a pandemia, em 2020, os dois compraram uma van, ano 1998, após fecharem uma parceria com um construtor em São Paulo. A família havia acabado de voltar de uma viagem ao Ushuaia, a cidade do Fim do Mundo, na Argentina, e decidiu comprar a casa sobre rodas. Em setembro daquele ano, conseguiram adquirir o veículo e fizeram uma viagem.

"Acabamos vendendo nosso motorhome para um casal de Minas Gerais e decidimos comprar uma van maior e mais nova para fazer algo mais adequado à nossa realidade e vontade. Em 2021, construímos nosso atual motorhome em uma Renault Master, ano 2009, em Goiânia, nossa cidade, e ficou simplesmente lindo. Agora estamos vivendo ótimos momentos na Cacilda, o nome que batizamos nossa casinha viajante”, conta Bruno.

Antes de passar a morar no motorhome, Bruno era professor, enquanto Clara estudava psicologia. De acordo com ele, habitar nas estradas representa um sonho de liberdade, além de ser um exercício de desapego. Ele afirma que sempre tiveram o objetivo de aproveitar mais a vida e conhecer o mundo.

"Eu sempre gostei de viagens. A Clara e o Bê acabaram conhecendo esse encanto viajando comigo nas férias. Mas essa vontade de conhecer mais lugares e pessoas foi aumentando cada vez que pegamos as estradas. Fomos então amadurecendo a ideia de viver onde mais nos sentíamos felizes e percorrendo caminhos. Percebendo que era possível ganhar dinheiro usando a internet, buscamos nos organizar para morar no mundo, literalmente. Em janeiro de 2019, fomos morar na estrada. Foi uma das melhores decisões de nossas vidas. Hoje não nos vemos fazendo outra coisa na vida. A vontade de viajar cada vez aumenta mais. Nos tornamos viajantes profissionais”, diz Bruno.

Decisão sem apoio familiar

Amigos e familiares não foram tão receptivos com a decisão, afinal, afastar-se da estabilidade financeira, bem como da zona de conforto pode parecer amedrontador. Clara lembra que, no início, a ideia foi bem assustadora para eles também. Partir para o mundo, viver de uma forma mais simples e sem o conforto de uma casa convencional era algo que assustava. Ela declara que, para os parentes e amigos essa era só uma fase que logo ia passar e todos voltariam à uma vida convencional.

"Com o tempo, eles foram percebendo que estávamos muito mais engajados nessa vida e fazendo de tudo para dar certo e que voltar para a nossa rotina era uma questão que não estava em pauta para nós. Claro que tiveram muitos julgamentos, como ainda há hoje em dia, muitos apontando os dedos e dizendo que lá na frente íamos quebrar a cara porque era impossível viver da internet e viver com a liberdade que estávamos tendo. Alguns parentes mais próximos, como nossos pais, já aceitam essa ideia e, apesar de querer sempre mais próximo e perto de casa, acabam embarcando conosco em alguma aventura. Minha mãe e meu pai, por exemplo, já foram nos encontrar em alguns lugares. Acabou que fizemos nossa família ser um pouco mais nômades também”, pontua Clara.

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Cotidiano no motorhome

Bruno comenta que, entre as principais dificuldades enfrentadas, estava a de tomar o primeiro passo em direção ao sonho de residir em um motorhome. Antes, a família morava em um apartamento comum, os adultos iam para os respectivos trabalhos presenciais e o filho para a escola. Mudar essa mentalidade foi algo muito difícil, explica ele, pois muitas pessoas próximas os desencorajava e os chamava de 'loucos'. Passado esse momento em que decidiram seguir o propósito, tudo ficou quase perfeito.

"Mas também não foi um mar de rosas. Ficar nós três 24 horas do dia juntos tem seus desafios. Morar todos em um espaço pequeno, às vezes faz calor, às vezes frio. Às vezes choveo por dias e tudo fica meio entediante. É difícil, mas num geral tem muito mais momentos bons do que ruins. Quando descemos a Argentina na barraca foi o momento mais difícil, mais desafiador. Pegamos muito frio e muita chuva. Não foi fácil. Hoje, no motorhome, é bem mais tranquilo. Outra dificuldade que enfrentamos foi aprender a ganhar dinheiro viajando. Demoramos um ano para realmente entender como a banda toca nesse mundo digital. Quando passamos a conseguir grana de forma on-line, os perrengues foram diminuindo. Quando você precisa economizar muito, fica tudo mais complicado”, detalha. 

O cotidiano a bordo de um motorhome é bastante semelhante à rotina em uma casa usual, de acordo com Bruno. A grande diferença é estar em um lugar diferente a cada dia, como abrir a porta "de casa" e ver uma praia, um gramado, prédios interessantes, cidades cenográficas e praças. Contudo, viver em um motorhome é uma experiência desafiadora, principalmente pelo espaço diminuto e pela adoção de hábitos minimalistas. O minimalismo preza pelo acúmulo mínimo de bens, levando seus adeptos a viverem com poucos itens materiais.

“É preciso se desapegar de muitas coisas, aprender a tomar banho mais rápido porque nem sempre tem muita água disponível. Precisamos enfrentar o medo de dormir, às vezes, em locais abertos. De resto, a experiência é muito bacana. Não é à toa que é o sonho de tanta gente”, enuncia Bruno. 

Desde que começaram a percorrer as estradas, a família já conheceu inúmeras cidades do Brasil e da América do Sul, como Uruguai, Argentina e Chile. Naturais de Goiânia, eles passaram por todas as regiões brasileiras, com exceção do Norte do Brasil, onde tiveram uma estadia rápida em Tocantins.

"A América do Sul é muito grande e ainda temos muito o que conhecer. É muito difícil eleger as mais bonitas porque todas têm seu encanto. Acredito que podemos destacar algumas que nos gerou experiências muito bacanas: a cidade de Ushuaia, no sul da Patagônia, Argentina, foi a nossa maior conquista. Além de ser muito bonita estando entre montanhas nevadas e um canal de mar superlindo, é a cidade mais ao sul do mundo. Tá em nossa lista com certeza. A cidadezinha de Pipa, no Rio Grande do Norte, também é lindíssima com aquele ar de encanto bem simples. Podemos destacar também a cidade de Garopaba, em Santa Catarina, que possui praias lindíssimas ao seu redor. Punta Del Este, no Uruguai, também é muito encantadora”, diz Bruno. 

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Infância nas estradas

A primeira viagem de carro de Bernardo foi de Goiânia até João Pessoa, depois a família realizou pequenas rotas: algumas cidades de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Quando ele tinha três anos, em julho de 2018, decidiram ser mais ousados e ir até Mendoza, na Argentina, de carro. Foi aí que descobriram que ele era muito fã de viajar e se adaptava aos lugares e diferentes rotinas. "Hoje, ele ama a Cacilda e quer mostrar e falar dela para todos os amigos e família. Diz ele que, quando crescer, vai viajar pelo mundo, primeiro de mochilão e depois de motorhome”, relata Clara. 

Os estudos de Bernardo são feitos de forma remota, acompanhados de perto por Clara, responsável pelo ensino da criança. Esse formato foi possível apenas por conta da pandemia, mas deu certo. A mãe conta que ele tem lembranças de ir para a escola e ficar no integral, onde permaneceu dos 11 meses aos três anos. Em 2020, antes da pandemia, o menino foi matriculado em uma escola em Goiânia, para que pudesse frequentar as aulas antes de começarem as viagens, mas com a pandemia, ele começou a estudar em casa e Clara percebeu que o rendimento dele nas aulas on-line era muito menor do que quando ela se sentava ao lado dele para explicar o conteúdo.

"Funciona assim: a professora me manda o planejamento semanal das aulas e atividades que ela fará com os alunos e eu explico para ele. Claro que antes de tomar qualquer decisão, a escola conversou com a secretaria da educação, que autorizou esse modelo. Para avaliar todo o desenvolvimento, Bernardo conversa com a professora por videochamada diariamente e eu mando um relatório semanal, mostrando a foto de cada atividade que ele fez e como ele se saiu nas atividades. Além disso, quando estamos em Goiânia, ele frequenta a escola, para fazer avaliações e interagir com os amigos da sala dele e ser avaliado na questão social e também intelectual. Então, no motorhome, temos uma rotina de sempre depois do almoço ter aula e, somente depois das aulas, ele pode brincar”, explica Clara.

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