Filipe Masetti Leite, 34, é considerado o primeiro brasileiro a atravessar a América a cavalo. O viajante já percorreu 12 países em mais de 25 mil quilômetros. Ao todo foram três viagens. Formado em Jornalismo, ele conta a história em dois livros e pretende lançar um documentário sobre a aventura.
Em entrevista ao iG Turismo, Leite conta que a primeira viagem durou 2 anos e 3 meses e foi do Canadá ao Brasil. Na ocasião ele cruzou 10 países. A jornada de 16 mil quilômetros terminou na cidade de Barretos, em São Paulo.
Na segunda viagem, o cavaleiro foi de Barretos até a Ushuaia, na Argentina, um percurso de 7,5 mil Km, durante 1 ano e 3 meses, percorrendo três países. Na última e mais recente ele foi de Fairbanks, no Alasca, até Calgary, no Canadá e percorreu 3,5 mil quilômetros.
Para realizar a viagem, Masetti utilizou na maior parte do tempo dois cavalos. Em um deles, ia montado e no outro carregava a bagagem, que não podia ser muito pesada, para não cansar demais o animal.
“Eu tive que aprender a viver com o básico. Uma das grandes lições da minha experiência é o pouco que se precisa para ser feliz. O cargueiro precisa ser o mais leve possível. Tinha três camisas, um par de calças a mais, algumas meias, quites de primeiros socorros para os cavalos, barraca e saco e dormir, água e comida, computador e câmeras para filmar tudo. E os cavalos que acabam levando tudo”, diz Masetti.
Para a alimentação, ele conta que o planejamento era o segredo para não passar fome.
“Eu sabia que eu fazia mais ou menos trinta quilômetros por dia, que é uma meta boa para o animal e para o cavaleiro também. Mais que isso acaba cansando os dois. Então, eu fazia matemática: quantos dias eu vou precisar para percorrer de uma cidade a outra. Levava café da manhã, almoço e janta para aquela quantidade de dias. Eu conversava com as pessoas nas cidades para saber se no caminho eu conseguiria comprar comida, para não ter que levar tanta coisa, como no deserto de Deserto de Chihuahua, no México”, afirma Masetti.
Já as pausas para descanso eram ditadas pelos cavalos. De acordo com o aventureiro, era necessário observar bem os animais, para saber quando eles sentiam a necessidade de parar.
“É uma jornada bem devagar. Parando muito, descansando muito. O bem-estar dos animais está sempre em primeiro lugar. Eu não viajaria um só quilômetro sem eles. Eles se tornaram meus filhos na viagem. É uma conexão muito grande entre homem e animal. Eu sou muito grato a essa experiência. Sou uma das únicas pessoas do mundo, no século 21, com uma experiência tão forte assim com um animal. Eu dormia com eles, comia com eles, viajava com eles. Foi como virar parte da manada”, conta o cavaleiro.
Leite conta que, para preservar a saúde dos cavalos precisou ficar parado um mês inteiro em Tegucigalpana, capital de Honduras, na América Central. “Não era um lugar onde eu queria ficar parado. É uma das cidades mais perigosas do mundo. Mas precisei parar para cuidar dos cavalos, que estavam machucados”, disse.
Filipe e seus cavalos também passaram por inúmeros desafios e dificuldades no percurso como ursos pardos, temperaturas diversas entre calor intenso de 45 graus e frio abaixo de 15 graus negativos, cartéis de drogas, estradas completamente vazias, desertos, rios, montanhas, neve, florestas. Persistente, cruzou países em trechos nem sempre fáceis de percorrer, beirando abismos e passando ao lado de caminhões a 120 km/h.
Para ele a parte mais difícil da viagem era sempre atravessar as fronteiras entre os países com os animais. “Cruzar fronteiras hoje com os cavalos é muito difícil, cada país tem a sua lei, tem que fazer quarentena, tem que pagar exportação e importação. Na América Latina tem muita burocracia e corrupção. Os caras querem dinheiro. Eu acabei cruzando muitos países da América Central de forma ilegal, com ajuda dos narcotraficantes, de tão difícil que era fazer o negócio legalmente”, afirma.
Por isso, na segunda jornada, Filipe optou por viajar com dois cavalos diferentes em cada país, para evitar esses problemas.
De acordo com o aventureiro, o sonho de percorrer as Américas a cavalo vem desde criança. Ele ouvia o pai contar a história quase mítica de um homem que cavalgou da Argentina até Nova York para provar que os crioulos são os cavalos mais resistentes do mundo.
As cenas dessa odisseia eram narradas de geração em geração em sua família. Adulto, ele descobriu o homem real por trás de seu herói: o professor suíço Aime Tschiffely, que realizou essa jornada na década de 1920. Inspirado pela ousadia e determinação dele, Filipe nunca se esqueceu do sonho de menino de fazer a sua própria expedição.
“Eu acredito que cada um tem um propósito. Não sei porque estamos aqui nesse plano, mas acredito que estamos aqui para resolver alguma coisa. E o meu destino era fazer essa jornada. O meu nome é Filipe, que quer dizer ‘amigo dos cavalos’, meu pai escolheu esse nome para mim. Eu estive também em cima de um cavalo, com o meu pai, antes de poder andar com as minhas próprias patas. Eu cresci com os cavalos ao meu redor, sempre tive uma relação muito forte com esses animais. Tudo o que eu fiz na minha vida sempre me levou para esse caminho, em que eu sairia a cavalo”, afirma.
Formado em jornalismo pela Ryerson University de Toronto, no Canadá, Leite transformou suas jornadas em dois livros. O primeiro, chamado "Cavaleiro das Américas", foi publicado pela editora HarperCollins Brasil. A obra virou best seller e ficou por mais de 13 semanas na lista de livros de não ficção mais vendidos no Brasil.
O segundo livro, lançado agora no Brasil, sob o título “ Cavaleiro das Américas rumo ao Fim do Mundo
: Uma Longa e Solitária Jornada” também se tornou best-seller no Canadá em sua versão em inglês. A jornada também foi documentada em vídeos e fotos e deverá originar um documentário neste ano de 2021.