Localizado na região central de São Paulo, o bairro Bom Retiro é marcado por muitos símbolos de popularidade: comércio variado, onde foi fundado o Sport Clube Corinthians Paulista, bairro da torcida organizada, e escola de samba Gaviões da Fiel e a diversidade gastronômica. Ao caminhar pelas ruas, é possível notar a variedade de restaurantes cuja comida resgata costumes e características de povos estrangeiros, especialmente os árabes, gregos, vietnamitas e coreanos.
É fato que o que não falta na região é espaço para comer bem. As opções plurais, além de chamarem a atenção de todo tipo de público, exaltam a importância da preservação cultural por meio da comida. Gabriel Onofre, sociólogo, explica que o próprio ato de comer torna-se uma manifestação política de um povo, ou seja, o cuidado com tais heranças culturais permite que diferentes grupos continuem vivos no cenário sociopolítico das nações.
“A comida pode ser compreendida como uma manifestação cultural de um povo ou grupo social. O que comemos, a forma de preparo, a escolha dos ingredientes, a maneira de servir, a forma de comer, como nos comportamos e com quem dividimos a mesa durante as refeições são indícios de que a comida pode ser entendida como uma construção cultural e marca de identidade”, começa.
“Além disso, o ato de comer – assim como rir, andar e dormir –, muitas vezes tido como natural, na verdade varia de uma cultura para a outra. Dessa forma, podemos dizer que comer é um ato social, político, histórico, religioso, econômico e cultural”, aponta o especialista.
Além de carregar a herança de um povo, é por meio da culinária regional que se estabelece toda a identidade de determinado grupo, de acordo com Onofre. O profissional ressalta ainda que por meio da alimentação é possível distinguir diferentes marcadores sociais que permeiam o povo em questão.
“É importante dizer ainda que a comida também é parte de um processo de distinção social, que marca a diferença entre grupos e pessoas. Podemos pensar em uma distinção básica entre quem tem ou não tem acesso a comida, mas também a distinção com base em marcadores como classe, geração e religião que distingue como e o que se come”, salienta.
Ao ser questionado sobre as influências que a culinária tradicional de diferentes países sofre ao se estabelecer no Brasil, por exemplo, o especialista esclarece que a cultura por si só é viva, portanto não há como preservá-la com total originalidade. A influência que essa cultura sofre, porém, não diminui seu valor, tampouco deixa de contribuir com a construção de uma identidade cada vez mais complexa.
“A cultura é compreendida como um conjunto de saberes, práticas, valores e normas adquiridos, vividos e compartilhados por determinada coletividade, ou seja: é um produto histórico e dinâmico que se transforma com o tempo. Portanto, não podemos perceber como algo estático e imutável. Em vista disso, a culinária, assim como outras expressões da cultura de um povo, refletem interações e influências culturais diversas e, neste sentido, podemos afirmar que as trocas culturais enriquecem todo tipo de manifestação cultural”, elucida.
Bom Retiro: formação, ascendência e expoentes
A chegada dos imigrantes à região do Bom Retiro se dá principalmente pela proximidade à Estação da Luz, como conta o professor de história Aluizio Torres. “A chegada dos imigrantes ao Bom Retiro acontece em fases distintas e por povos diferentes: primeiro destaque para os italianos, durante a fase de industrialização da região, estimulados pelos empregos nas fábricas, principalmente as olarias, e dando ao bairro características de bairros operários, que eram comuns na cidade de São Paulo”.
“Por estar perto da Estação da Luz, por onde os imigrantes chegavam na cidade, tanto que a própria Hospedaria dos Imigrantes funcionou ali até 1887 até ser transferida para o Brás, o bairro recebia pessoas de diferentes partes da Europa e Oriente Médio: portugueses, búlgaros, eslavos, russos, húngaros, turcos, sírios e muitos outros”, explica.
De acordo com o especialista, as principais influências dos grupos estrangeiros surgiram principalmente no ramo comercial e têxtil. Com o tempo, a vinda de outros povos incrementou ainda mais essa herança que perdura até os dias atuais.
“As características comerciais tão presentes no bairro vieram com os judeus no século 20, que aproveitam a proximidade com a linha ferroviária que recebia os produtos que abasteciam a cidade, criando focos comerciais como a Rua José Paulino – que até hoje é importante e reconhecida como área de comércio. Com o tempo, os israelitas passaram a mudar seus estabelecimentos para outras regiões, algumas famílias optaram por outras atividades, abrindo espaço para os coreanos que ocuparam esses estabelecimentos permanecendo na região, principalmente no setor têxtil, incorporando a mão-de-obra boliviana”, aponta.
Devido à variedade de influências, é difícil definir um grupo protagonista da ação na região. De acordo com Aluizio Torres, os destaques foram revezando, “por exemplo: a presença coreana hoje é muito forte no bairro, mas não era assim no início e esse grupo também aproveita estruturas deixadas por outros grupos no passado, como a comunidade judaica”, explica.
Tal fator torna a região extremamente rica em termos de miscigenação, uma vez que a cultura e os recursos trazidos por cada um dos povos influentes no local tiveram seu respectivo papel e perduraram ao longo dos anos para que o bairro pudesse ter o reconhecimento que possui hoje.
“É como camadas que ao invés de se sobreporem, deixam entrever suas camadas anteriores para compor um quadro multifacetado no qual todos esses anos de influências diversas acabam se completando. A palavra-chave do Bom Retiro é diversidade, um bairro construído por muitas mãos e muitos idiomas”, aponta.
Sobre a gastronomia propriamente dita, o especialista chama a atenção para o fato de que o Bom Retiro ficou bastante conhecido pela comida, algo que foi desenvolvido paralelamente ao comércio e que sempre foi feito por imigrantes e dedicado a eles. De acordo com Torres, a região deve muito aos restaurantes que ali atuam.
“É interessante pensar que esses restaurantes muitas vezes são empreendimentos de famílias que já moram ali há muitos anos e resistem em manter seus negócios no mesmo bairro, não procurando centros mais tradicionais para a gastronomia ou mais nobres. Esse movimento não foi algo programado por algum grupo financeiro, ou instituição de turismo, é orgânico e ligado à identidade local, derivado de anos de trabalho imigrante que está sendo reconhecido pela cidade, que também é esse ambiente repleto de influência de muitas culturas”, comenta.
Onde comer?
A fim de ajudar a elaborar um bom roteiro gastronômico pela região, o iG Turismo separou alguns restaurantes populares pelo Bom Retiro que valem a visita, seja individualmente ou com a família ou os amigos. Da cozinha judaica à cozinha coreana, há opções para todo tipo de preferência.
Inaugurado em 1959, a casa foi adquirida por um dos garçons e, em 1972, o grego Trassyovoulos Petrakis, mais conhecido como “Seu Trasso”, assumiu o comando do estabelecimento. Após a morte do proprietário, a família continuou tocando o negócio. O ambiente é simples, bem semelhante a um botequim, e não é preciso pedir o cardápio: os pratos do dia ficam expostos junto da cozinha, em grandes bandejas. Entre as principais opções há: carne de cordeiro com batatas, lula recheada, polvo e uma lasanha tradicional feita com carne moída, batata e berinjela, chamado Mussaka.
Endereço: Rua da Graça, 364 – Bom Retiro
Com pratos judaicos tradicionais, o espaço vale a visita pelas opções variadas, como Linguiça de Cordeiro com Couscous Marroquino, Shpondra – costela de boi cozinha – e Língua de Boi ao Molho de Tomate. Às sextas e sábados, a casa também oferece o Tchulent, um cozido apresentado como feijoada judaica.
Endereço: Rua Correia de Melo, 206 – Bom Retiro
Esfiharia Bar e Lanches Effendi
Com forte influência armênia, o destaque do estabelecimento são as esfirras abertas com massa bem leve. O recheio, por sua vez, carrega truques muito próprios e tempero característico. Para quem é fã de esfirra, vale a pena visitar e conhecer o cardápio disponível.
Endereço: Rua Dom Antônio de Melo, 77 – Luz
Localizada em uma galeria comprida, o restaurante possui ambiente simples e um falafel que se destaca. Ele é servido com pão ou no prato, acompanhado de vinagrete de tomate e pepino, picles de berinjela e pepino chucrute regado com uma farta camada de Tahina. A diferença de pedir no prato ou no pão é o tamanho – na primeira opção vem mais bolinhos.
Endereço: Rua José Paulino, 345 loja 21/23A – Bom Retiro
O próprio nome já evidencia a especialidade da casa: Pho, o prato mais popular do Vietnã. Consiste em um caldo preparado com base no cozimento de ossos de boi, que acompanha macarrão de arroz e muitas especiarias aromáticas e frescas. Para quem preferir, também é possível consumir outros cortes de carne, além de frango e frutos do mar. Contudo, fique atento: o estabelecimento só aceita pagamento em dinheiro.
Endereço: Rua Silva Pinto, 366 – Bom Retiro
Opção ideal para os que desejam experimentar a versão coreana do sashimi. Na Coreia, o peixe cru – que é cortado de forma bem semelhante ao Japão – vem acompanhado de vários recipientes menores com guarnições variadas, como: kimchi (conserva de acelga condimentada), alface, legumes, broto de feijão e outros. A casa também oferece outros pratos clássicos da culinária coreana, como bibimbap – arroz branco, vegetais e carne misturados e preparados em tigela de pedra vulcânica – e sundubu – tofu macio recém-coalhado, legumes, às vezes cogumelos, cebola, frutos do mar opcionais, carne opcional e gochujang ou gochugaru.
Endereço: Rua Prates, 553 – Bom Retiro
Ponto de encontro de quem é fã de k-pop e da cultura coreana em si, o restaurante vende o tradicional hot dog no palito, que é uma comida de rua tradicional na Coreia do Sul. O prato tem sabor agridoce e é envolto por uma massa crocante de farinha panko. Ao todo são 13 opções, além do famosos tteokbokki – massa de arroz em formato de tubinho servida com diferentes tipos de molho.
Endereço: Rua Três Rios, 110, Bom Retiro
A confeitaria une técnicas francesas com inspirações asiáticas em um ambiente bem moderno. O queridinho é o bolo de batata doce, mas também há opções mais rotineiras, como a massa choux recheada de creme de confeiteiro com chantili. Para quem deseja adoçar um pouco o paladar, vale muito a visita.
Endereço: Rua Prates, 599 – Bom Retiro
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