Recentemente, tive a oportunidade de conhecer o bairro da Liberdade , em São Luís, no Maranhão, que curiosamente compartilha o mesmo nome do bairro em São Paulo . Ambos tiveram uma forte presença de negros em seu passado, mas apenas um preservou esse legado e se tornou parte do maior quilombo urbano da América Latina.
O bairro da Liberdade em São Luís é próximo ao Centro da cidade, cortado por vias de acesso que interligam bairros e cercado por manguezais. Sua história remonta a 1918, com a criação do Matadouro Modelo no Sítio Itamacaca, propriedade de Ana Jansen, uma escravagista da época e considerada a primeira mulher nesse posto.
Naquela época, a entrada do bairro era feita por uma única estrada chamada Campina do Matadouro, mas o principal acesso era via barco pelo rio Anil. Os bois chegavam ao Matadouro por meio da ferrovia São Luís-Teresina e o local encerrou suas atividades em 1980. O bairro recebeu o nome de Liberdade por meio da Lei Municipal nº 1.749, de 17 de maio de 1967, tendo sido chamado anteriormente de Matadouro.
A partir dos anos 1970, um grande afluxo de pessoas vindas de comunidades rurais quilombolas da Baixada Maranhense, da região de Alcântara e do Litoral Maranhense, se estabeleceu no bairro, fazendo da Liberdade a maior população negra de São Luís, a capital de Maranhão . O maior quilombo urbano da América Latina é composto pelos bairros Camboa, Liberdade, Fé em Deus e Diamante.
Roteiro Quilombo Cultural de São Luís
Em dezembro, tive a oportunidade de conhecer a Liberdade por meio do “Roteiro Quilombo Cultural de São Luís”, elaborado pela Secretaria Municipal de Turismo e da Prefeitura de São Luís.
O roteiro se concentra em celebrar a herança negra e destaca bairros que são remanescentes de quilombos. Esses bairros, com sua forte identidade étnica quilombola, formam uma comunidade unida que se orgulha de sua herança e sente um forte senso de pertencimento ao seu território coletivo.
Com isso, os integrantes da comunidade conseguem proporcionar uma experiência de afroturismo e turismo de base comunitária bastante evidente, sendo a Liberdade o bairro que aglutina mais atrações.
No local, diversas ações já foram implementadas, como a sinalização turística e capacitação para os agentes participantes do roteiro. Além disso, o roteiro foi premiado em 2022 no Prêmio Braztoa de Sustentabilidade. A região é semelhante a um bairro periférico, mas inserida no centro da cidade.
Os moradores trazem manifestações da cultura popular tradicional de suas comunidades de origem: Bumba Meu Boi, Tambor de Crioula, a festa do Divino Espírito Santo, festa de Santa Luzia, de São Cosme e Damião e grupos carnavalescos, especialmente blocos tradicionais.
Atualmente, 10 locais fazem parte do roteiro:
- Mercado Municipal da Liberdade
- Terreiro Ylé Ashé Obá Yzôo
- Bloco Tradicional Os Indomáveis Show
- Bumba meu Boi da Floresta
- Terreiro Ilé Ashé Ogum Sogbô
- Bloco Afro Abiyeyé Maylô
- Tambor de Crioula Maracrioula
- Bumba meu Boi de Leonardo
- Produtora Novo Quilombo — Reggae
- Bloco Afro Netos de Nanã
O roteiro, que nasceu em 2021, visa fortalecer a cultura ludovicense, criando um fluxo significativo de visitação nos espaços. Isso impulsiona a economia dos bairros que compõem o quilombo, permitindo que moradores e visitantes apreciem a rica cultura de São Luís.
Placas de identificação foram instaladas em cada local do roteiro, além de placas de sinalização na Avenida Camboa e na Rua Gregório de Matos, facilitando o acesso do público.
Na construção do roteiro de afroturismo, foram mapeadas e visitadas casas de reggae, um dos ritmos mais populares no estado; casas de Tambor de Crioula, uma manifestação reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan); e sedes dos Blocos Afro e Blocos Tradicionais, expressões culturais fortes em São Luís.
Em minha experiência, tive a oportunidade de conhecer duas atrações do roteiro: o Tambor de Crioula Maracrioula e o Bumba meu Boi de Leonardo, expressões artísticas marcantes na região.
Conheci a casa do Mestre Leonardo, que acolhe a manifestação artística do Boi de Leonardo, onde também ocorrem apresentações do Tambor de Crioula. O Boi de Seu Leonardo (Boi da Liberdade), de sotaque de Zambumba, e o Boi de Seu Apolônio (Boi da Floresta), de sotaque da Baixada, são tradições da região.
O Tambor de Crioula, uma dança alegre e descontraída, é marcado pelo toque de três tambores e pela dança circular das mulheres com saias floridas chamativas. É uma referência de identidade e resistência cultural dos negros maranhenses. Além disso, é extremamente contagiante. A energia que as mulheres transmitem ao dançar é maravilhosa.
A região é um forte reduto da cultura africana, abrangendo religião, gastronomia e manifestações artísticas. Para quem busca uma experiência fora do comum, conhecer mais sobre a realidade brasileira e a cultura africana e seus desdobramentos no Maranhão, a ida ao destino é maravilhosa.
Além do resgate cultural, é uma forma de apoiar os moradores da região, adquirindo novos conhecimentos e percebendo a pluralidade do Brasil.
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