Bar e restaurante de Miami Beach é referência em shows com Drags
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Bar e restaurante de Miami Beach é referência em shows com Drags

No fim da década de 90, quando Nany People, até então uma drag queen consagrada na noite de São Paulo, chega à televisão, o jeito irreverente e carismático da artista logo cai nas graças do público. Entre uma brincadeira e outra, ela olha para a câmera e manda um “VRÁÁÁ”. O estalar repentino do leque e o colorido do objeto ganhando forma surpreendia e arrancava risadas tanto em quem era entrevistado pela personagem quanto por quem acompanhava a cena de casa. Assim, a atriz e apresentadora imortalizou o gesto que, além de virar marca registrada dela, é também uma referência nacional instantânea ao universo LGBTQIA+.

Apesar do sucesso, Nany não foi a primeira a levar o objeto para esse tipo de apresentação. No século XVI, as mulheres não podiam se apresentar nos teatros. A figura feminina nas peças de Shakespeare era encenada por homens travestidos. Esse movimento é considerado o início da arte drag. Com o tempo – e a permissão para que mulheres ocupassem os palcos –, o transformismo foi ganhando tons mais caricatos e/ou estereotipados. Também nessa época os leques eram sinônimos de nobreza e poder das elites europeias. Portanto, um acessório indispensável para as performances desses artistas.

Corta para 2023. Quem passa pela Ocean Drive, em Miami Beach, no horário do almoço, nos arredores das ruas 10 e 11, não tem como ignorar a música alta vinda de um dos comércios, os gritos entusiasmados de uma multidão e o estalar consecutivo de leques – dos grandes. É como se fosse uma grande marcha de Nany Peoples em pleno Estados Unidos. A animada movimentação vem do Palace, um icônico bar e restaurante, o primeiro dedicado ao público LGBTQIA+ da cidade, inaugurado em 1988.

No Palace, as queens dão o máximo no famoso show
Thiago Calil/iG
No Palace, as queens dão o máximo no famoso show

A comida é boa, a bebida é boa, porém o foco não é exatamente o que eles servem, mas o que acontece ali dentro enquanto você saboreia o cardápio, assinado pelo colombiano Jose Saavedra. As estrelas da casa são as queens, que se apresentam entre as mesas, no corredor, na calçada e por aí vai. Os shows começam com a clássica dublagem musical – também conhecida por Lip Sync. E quando você menos espera tem uma pessoa de salto agulha, peruca e roupa cheia de brilho fazendo acrobacias com a mesma sutileza de uma Rebeca Andrade ou dançando pendurada na cobertura do espaço lotado.

Os clientes/espectadores vão ao delírio e acompanham tudo agitando os leques personalizados do local, vendidos por 25 dólares e praticamente um souvenir obrigatório dos visitantes. Os “VRÁÁÁ”, inclusive, são incentivados pelos garçons, todos com pinta de modelo e que trabalham sem camisa, com um sorriso no rosto e focados em não deixar nenhum copo esvaziar. É graças a esse esforço deles em garantir a desinibição que só o álcool é capaz de dar que as pessoas se sentem encorajadas a dançar, gritar e... liberar os dólares.

Há quem peça para colocar o dinheiro na calça dos atendentes saradões descamisados. A combinação do sorriso de galã, simpatia, corpo definido bronzeado pelo sol de Miami e as verdinhas encaixadas na cintura dos rapazes é um divertido misto de fetiche, desejo, mas, em especial, muita graça. Tudo acontece de maneira extremamente respeitosa e bem-humorada.

Além de servir, o time de garçons ajuda no entretenimento da casa
Thiago Calil/iG
Além de servir, o time de garçons ajuda no entretenimento da casa

Apesar de esse jornalista se perder nas lembranças no parágrafo anterior, quem brilha ali são as drags. São elas que roubam a cena unindo talento, técnica, surpresa e descontração em cada show. Quanto mais piruetas ou surpresas elas arriscam, maior a chuva de notas deixada pelo público. As estrelas são acompanhadas por assistentes, responsáveis por recolher as notas e guardá-las em uma única sacola, que é esvaziada entre uma drag e outra.  

Isso se passa de frente para a praia, em uma das principais vias da cidade, com trânsito intenso de carros e pedestres. Tudo acontece ao mesmo tempo, criando um pequeno e irresistível caos. O título deste texto, “Toda rainha precisa de um palácio”, é o lema do estabelecimento, que funciona há 35 anos e é um dos símbolos LGBTQIA+ de Miami Beach.

Na R House, os shows acontecem ao ar ivre
Thiago Calil/iG
Na R House, os shows acontecem ao ar ivre

Experiência semelhante acontece na vizinha Miami, na R House. O espaço nasceu em 2014 como um misto de restaurante e galeria de arte administrado pelo chef Rocco Carulli e o advogado Owen Bale. Mas o show que consagrou o estabelecimento só começou quando os maridos conheceram a drag queen Athena Dion e o DJ Jody McDonald. A parceria do quarteto fez nascer o consagrado Drag Brunch. Enquanto aprecia os shows, o público desfruta de um cardápio de referências latinas, com muito frango e carne de porco.

Em ambos os locais, é preciso reservar mesa antes de ir, pois os almoços costumam ser disputados. Apesar de serem ícones da cultura LGBTQIA+, os espaços são muito frequentados por pessoas de fora da comunidade. Os shows são bastante requisitados para confraternização de amigos, despedidas de solteiro e celebrações em geral. Também não há um perfil específico de público: trata-se de um grande mix de idade, gênero, cor e orientação sexual. São eventos inclusivos e diversos. A cara de Miami.

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