As pessoas precisaram lidar com o distanciamento social, adotar novas regras de higiene e os abraços foram proibidos. Mas, apesar de máscaras continuarem obrigatórias no Brasil e de os cuidados caprichados com a higiene se manterem necessários por causa da pandemia do novo coronavírus, a rotina está ficando mais parecida com o que vivíamos antes da Covid-19. Aos poucos, as pessoas estão retomando passeios, viagens e encontros com amigos e familiares -- preferencialmente, em pequenos grupos. Contudo, restou a insegurança de frequentar lugares fechados e com um grande número de pessoas -- e com razão.
O médico infectologista Antônio Gamme, coordenador das Unidades de Terapia Intensiva do hospital São Luiz Jabaquara da Rede D'Or, criou um grupo de estudos sobre o coronavírus. Ele garante que ir a lugares abertos é a melhor opção nesse momento de transição pós-pandemia.
“É muito mais conveniente encontrar pessoas em locais abertos, bem ventilados e arejados. A renovação do ar dispersa as partículas suspensas e você tem muito menos exposição a qualquer tipo de vírus ou bactéria que uma pessoa esteja expelindo. Quanto mais aberto e arejado o ambiente, melhor.”
Retorno ao parque favorito
Assim que soube que o parque de diversões Hopi Hari, a 71 km da cidade de São Paulo, reabriu as portas, seguindo todos os protocolos de segurança, o publicitário Junior Gonçalves, 28, comprou um ingresso e matou a saudade dos brinquedos favoritos. A paixão dele por esse tipo de diversão nasceu ali mesmo, quando tinha 10 anos de idade, e até hoje ele tem a mesma sensação de ansiedade para visitar o local, que é praticamente inteiro ao ar livre. Junior diz que sair de casa novamente foi estranho, mas que se sentiu seguro.
“O Hopi Hari fez um trabalho exemplar de conscientização com a criação de um jingle [o ‘Fikaki’, que é constantemente tocado na rede de alto-falantes], relembrado as regras de distanciamento, com marcas no chão das filas e sobre higienização dos brinquedos a cada ciclo. Há uma preocupação do parque com a fiscalização do uso de máscara, disponibilização de álcool em gel e aferição de temperatura já na chegada”, diz ele, que costuma ir ao parque todo mês.
No período de confinamento, o publicitário perdeu um avô, tios, primos e terminou um relacionamento de três anos. Ele estava ansioso para voltar a socializar -- tomando todos os cuidados necessários e após as duas doses da vacina. Ele descreve a chegada ao parque como uma nova primeira vez em seu local favorito. “No Hopi Hari, eu cresci, fiz amigos, vivi amores e com certeza me diverti mais que em qualquer outro lugar."
Tem medo? Saia aos poucos e com cuidado
Dar o primeiro passo fora de casa é essencial para começar a sair do isolamento, de acordo com o psiquiatra Pablo Vinícius. Ele diz que essa saída precisa ser gradativa e progressiva, o que ele prefere chamar de micropassos ou micrometas. Para ele, no geral, as pessoas terão dificuldade de voltar às rotinas plenas, pois o ser humano se adaptou ao modo de viver anterior e mudanças são sempre difíceis.
Pablo ressalta que o medo de sair de casa pode desencadear um transtorno psicológico chamado agorafobia, que é o medo do contato com as pessoas. Isso pode levar a uma depressão, que faz com que ela não queira sair de casa, ou um quadro de síndrome do pânico.
“O ideal é que a mudança seja feita de forma progressiva, para ganhar mais segurança e confiança. Nós podemos começar com lugares abertos, inicialmente: vamos a parques, zoológicos, assistir a um filme nos drive-ins e, depois, para lugares mais fechados, à medida em que a gente se sinta mais seguro, com as doses da vacinação tomadas, queda da mortalidade e das internações."
"Meus filhos foram os mais afetados"
O ator, cozinheiro e influencer Paulo Tardivo levou os dois filhos, Sara e Davi, de 7 e 4 anos, respectivamente, a um parque aquático, o Wet'n'Wild, em Valinhos (SP), para dar o primeiro passo rumo à ressocialização. Ele considera que sair de casa foi fundamental para os filhos -- que foram muito afetados pelo isolamento. Paulo conta que ele e o marido, Tiago Pessoa, perceberam o nível elevado de ansiedade das crianças.
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“A decisão de sair de casa veio depois de eu e o Tiago tomarmos a segunda dose da vacina. Como fomos a um local com muitas pessoas, optamos por ser um lugar aberto. A ideia do parque aquático surgiu por ser um espaço grande e por acreditar na segurança sanitária do local”, afirma.
“Ficamos 17 meses sem realizar nenhum passeio com eles e sentimos muita falta. Faz parte da cultura da minha casa receber pessoas, reuniões com amigos, sem falar da nossa profissão, que é estar no teatro, e de preferência lotado, como a gente gosta. As crianças se mostraram mais carentes, ansiosas, querendo sempre comer, mesmo sem fome, e nada mais as distraía. Que bom que, mesmo aos poucos, as coisas estão voltando. Hoje, eles estão mais tranquilos e a gente também.”
Medo natural X medo patológico
O psiquiatra Pablo Vinícius destaca que se, porventura, alguém estiver sentindo dificuldade de voltar à rotina social, mesmo em lugares abertos, é necessário procurar um especialista.
“Já há relatos de que o isolamento aumentou o número de transtornos de ansiedade, como algumas fobias. Claro que lugares fechados provocam mais agorafobia do que os abertos, mas não necessariamente precisa ter esse diagnóstico para as pessoas terem medo de lugares fechados. Uma coisa é a doença, que é incapacitante e gera grande sofrimento. Outra é o medo que muitos de nós vamos carregar de estar em lugares fechados com pessoas pelo risco de contaminação”, explica.
Quando procurar ajuda psiquiátrica ou psicológica:
- Sensação de incapacidade: o medo faz com que eu tenha receio, mas eu consigo sair de casa. Com ele, consigo cumprir compromissos e fazer tarefas. A fobia incapacita. Deixa a pessoa dentro de casa mesmo que precise ou queira sair -- e nesse caso é um sinal de que algo está errado e a pessoa precisa de ajuda.
- Sintomas físicos: as fobias costumam ser acompanhadas de palpitação, taquicardia, tremores e mal-estar. São sintomas físicos de uma crise de ansiedade, que sugerem que a pessoa deve procurar ajuda especializada.
A fobia ou quadros de transtornos emocionais provocam sofrimento significativo, mas esses quadros são tratáveis, explica o psiquiatra.
Novos hábitos
O infectologista Antônio Gamme lembra que os cuidados com a higiene adotados durante os últimos 18 meses precisam ser mantidos.
“Talvez tenhamos que aprender com os orientais a usar máscaras sempre que estivermos com alguma doença de tráfego respiratório, como uma gripe, ou locais muito fechados e lotados, como metrô e ônibus. A higiene das mãos, seja com álcool ou água e sabão, tem que se tornar uma rotina para toda a população.”