Quando Dom Pedro I saiu do Rio de Janeiro rumo a São Paulo, onde declarou a independência do Brasil, ele percorreu todo o Vale do Paraíba, passando por várias vidas da região, localizada entre o sul do estado fluminense e o cone leste paulistano, uma área muito próspera que dominava o cultivo do café em 1822. Por estes caminhos existiam várias fazendas e casarões que eram propriedades de capitães-mor, oficiais militares responsáveis pelo comando das tropas de Ordenança em cada cidade.
Durante os últimos 200 anos de história, a região mudou completamente, passou por um período de declínio financeiro, como foi retratado por Monteiro Lobato no livro “Cidades Mortas”, em que narra a falência dos agricultores de café e a perda do valor das fazendas e dos escravos que ali mantinham. Contudo, alguns imóveis e igrejas por onde Dom Pedro I passou entre os dias 14 e 25 de agosto de 1822 continuam de pé e hoje são pontos turísticos no Vale do Paraíba.
O então príncipe regente deixou a esposa, Maria Leopoldina, na Quinta da Boa Vista, no centro do Rio de Janeiro, e pegou a Real Estrada de Santa Cruz (hoje conhecida como Rodovia Presidente Dutra) rumo a São Paulo, em uma pequena comitiva de apenas cinco pessoas, já com o intuito de fazer do Brasil um país independente. Naquele período, o filho de Dom João 6º nunca tinha saído da capital do Brasil (que era o Rio de Janeiro), então aproveitou o caminho para conhecer as pessoas e evitar uma possível revolta separatista, algo que já havia acontecido em alguns países da América Espanhola.
Para começar, Pedro dormiu com sua comitiva na Fazenda de Santa Cruz, de propriedade da família imperial, ainda na cidade do Rio de Janeiro, onde hoje é o bairro de Santa Cruz. Este local era uma espécie de casa de férias da realeza e hoje abriga o Batalhão Escola de Engenharia Villagran Cabrita. A fachada do prédio perdeu algumas de suas características principais, inclusive uma pequena torre que tinha no lado centro-esquerdo, mas a maior parte da arquitetura continua preservada. Há a possibilidade de grupos organizados visitarem a antiga sede da Fazenda Real desde que seja enviado documento (ofício) para a Organização Militar pelo email [email protected] . O prédio histórico está na Praça Ruão, 35, Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio.
A viagem continuou no dia seguinte e chegou à Fazenda Três Barras [foto na galeria], no município de Bananal, para visitar o capitão Hilário Gomes de Almeida. O casarão ainda existe, mas passou por muitas reformas e não tem mais as características originais. Até 2019, funcionava um hotel-fazenda no local, mas os proprietários anunciaram o fim das atividades em um post no Facebook. “Caros amigos e clientes, gostaria de agradecer imensamente pela companhia, parceria e carinho durante esses quase 10 anos, mas infelizmente a administração do hotel não pertence mais a mim e ao Robson”, escreveu o empresário Francisco de Paula Rodrigues Alves. O imóvel (Rodovia dos Tropeiros, km 320 s/n - Zona Rural) está à venda pelo valor de R$ 5,5 milhões.
No dia seguinte, a comitiva parou em São José do Barreiro, mais precisamente na Fazenda Pau D'Alho [foto na galeria], que pertencia ao Coronel João Ferreira Guimarães e que se mudou com a família para lá no fim do ciclo do ouro em Minas Gerais, começo do período cafeeiro, e ficou conhecido como “O Velho da Serra”. Dom Pedro apostou corrida com seus acompanhantes de estrada e chegou primeiro à propriedade e pediu comida na fazenda. Sem saber de quem se tratava, a pessoa que o atendeu disse que estavam esperando pelo príncipe regente e o rapaz poderia comer na cozinha, junto das mucamas e escravos. E ele assim o fez. Após tudo ficar esclarecido, o coronel e seu filho se juntaram à comitiva.
O local é um dos mais preservados nesses 200 anos, foi adquirido pelo governo federal para ser transformado em museu nacional do café. Segundo o site oficial do turismo da cidade, a fazenda foi restaurada, mas o projeto nunca chegou a ser concretizado. Esteve aberta ao público durante décadas, mas nos últimos anos ficou fechada. É administrada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que agora firmou parceria com a Prefeitura Municipal para reabertura e uso. A visitação ocorre de quinta a sábado das 9h às 16h e, aos domingos, de 11h às 16h. É importante entrar em contato com o local antes de ir até lá.
Pedro seguiu seu caminho após o almoço rumo à casa do capitão-mor Domingos da Silva, em Areias, cidade vizinha. Lá ele se hospedou no local que hoje funciona o Hotel Santana [foto na galeria], que preserva as mesmas características arquitetônicas da época e é tombado pelo patrimônio histórico. Enquanto o monarca ficou no conforto do quarto, a tropa que o acompanhava ficava debaixo de uma figueira gigante que ainda existe ali. O site de turismo do município tem uma página especial sobre o estabelecimento, mas não há informações sobre reserva. O iG Turismo também tentou contato por telefone, mas não conseguiu resposta até o fechamento desta matéria. O hotel está localizado na Rua Comendador Sampaio, 15, Centro.
No dia seguinte, 18, o príncipe seguiu a viagem, almoçou em Porto Cachoeira, hoje Cachoeira Paulista. À noite, Dom Pedro chegou a Lorena. Ali ele repousou na casa do capitão-mor Ventura José de Abreu, que não existe mais, fez contatos políticos e plantou a primeira muda de palmeira na rua que hoje é conhecida como Rua das Palmeiras. Ele também visitou a Casa de Câmara, a cadeia e a Igreja do Rosário dos Homens Pretos [foto na galeria], que hoje ganhou o nome de Igreja do Rosário (Praça Cap. Mor Manoel Pereira Silva, s/n). O local ainda existe, mas passou por várias reformas, sendo a última em 2018. A visitação é gratuita, mas é preciso ficar atento aos horários de funcionamento para não encontrá-la fechada.
O grupo continuou o percurso no dia 19 rumo a Guaratinguetá, onde Pedro se hospedou na casa do capitão-mor Manoel José de Melo, que também não existe mais. Pela cidade, a comitiva ganhou novos integrantes e aumentou a guarda de honra. O príncipe regente ainda conseguiu alcançar a cidade de Aparecida, onde existia uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora Aparecida, encontrada no rio Paraíba do Sul quase um século antes, em 1717. Ali ele rezou e, segundo o historiador Paulo Rezzutti, prometeu que faria de Nossa Senhora Aparecida padroeira do Brasil quando se tornasse independente, o que não aconteceu: Pedro escolheu São Pedro de Alcântara como padroeiro.
Aquela capela que a comitiva passou não existe mais e, no mesmo lugar, foi construída uma igreja maior em 1888, e hoje é conhecida como a Basílica Velha [foto na galeria], na cidade de Aparecida. Na parede da igreja há uma placa em pedra de mármore que afirma que ali Dom Pedro passou com seu grupo no dia 20 de agosto de 1822. O local é aberto a visitação e fica na Praça Nossa Sra. Aparecida, s/nº.
Em Pindamonhangaba, Pedro ficou no sobrado do monsenhor Ignácio Marcondes de Oliveira Cabral, que não existe mais. A passagem pela cidade causou grande alvoroço e muitas pessoas se candidataram a seguir rumo a São Paulo com o príncipe, inclusive o município construiu um monumento na praça central [foto na galeria] em homenagem a estes cidadãos. O pequeno obelisco com uma águia está na Praça Monsenhor Marcondes, no centro da cidade.
Príncipe também se diverte
A viagem seguiu até Taubaté no dia 21 de agosto, onde o grupo cada vez maior se hospedou na casa do cônego Antônio Moreira da Costa, que não existe mais. O príncipe regente visitou o convento de Santa Clara [foto na galeria], que fica na Praça Anchieta, s/nº - Centro, e que recebe visitas com horário marcado. Ele também visitou a Igreja do Pilar [foto na galeria], hoje Capela de Nossa Senhora do Pilar (Rua Dona Chiquinha de Mattos, s/nº, Centro) e que não está aberta à visitação. O local já foi um museu de arte sacra e atualmente está fechado para uma reforma em toda a estrutura. Os dois locais preservam a mesma arquitetura de 200 anos atrás.
Um detalhe interessante na cidade é que ali funcionava uma currutela e Pedro, que já tinha fama de namorador, não resistiu a uma bela noitada. Ali, dizem os historiadores, ele não resistiu aos encantos das mulheres e passou a noite na cidade. Antes de sair, recebeu um título de nobreza, foi recebido pela elite, fez despachos, escreveu uma carta para a princesa Maria Leopoldina e ganhou novos integrantes a caminho da capital paulista.
No dia 22, em Jacareí, Dom Pedro se hospedou na casa do capitão-mor Cláudio José Machado, que não existe mais. Uma história icônica que aconteceu na cidade foi que o príncipe precisava atravessar um trecho no Rio Paraíba do Sul, mas a balsa estava do outro lado. Sem pensar duas vezes, ele entrou na água montado no cavalo e foi ovacionado pela população que o aguardava ansiosa. Chegando lá, estava com as calças muito molhadas e pediu para trocar de roupa com um taubateano que estava ali, Adriano Gomes Vieira de Almeida, e prometeu que voltaria para devolver as calças, mas ninguém sabe se isso aconteceu.
Seguindo viagem, o grupo chegou a Mogi das Cruzes no dia 23 de agosto e ficou na casa do capitão-mor Francisco de Mello, que não existe mais, e assistiu à missa na então Igreja de Sant'Ana [foto na galeria], hoje catedral homônima. Ela fica na Rua Dr. Paulo Frontin, 366 - Centro, e está aberta à visitação de segunda a sexta, das 8h30 às 20h30, sábados das 7h30 às 20h30 e domingos das 7h às 12h e das 16h30 às 20h30.
A última parada de Pedro e sua comitiva antes de chegar a São Paulo foi em Penha de França, que hoje foi anexada à capital. Lá, ele se hospedou no dia 24 e assistiu a outra missa na igreja matriz, hoje conhecida como Basílica de Nossa Senhora da Penha [foto na galeria]. Apesar das reformas, o local ainda guarda a maior parte das características arquitetônicas da época. O endereço é Rua Santo Afonso, 199, Penha de França, está aberta à visitação as missas ocorrem às segundas, às 17h, terça a sexta-feira às 7h15 e 17h, sábado às 7h30 e 16h, e domingo às 9h30.
No dia 25, o grupo finalmente terminou a longa jornada e chegou à capital, onde foi recebido com grande festa e honrarias. Pedro foi ovacionado por vereadores, religiosos e a população em frente à Igreja do Carmo. Segundo Rezzutti, a Igreja da Ordem Terceira [foto na galeria] é o único local que restou em pé e fica na Av. Rangel Pestana, 230 - Sé. O horário de funcionamento é de segunda a sexta, das 8h às 14h.