Quando você se arrisca em algo pela primeira vez, a sensação de frio na barriga é quase instantânea. A ciência explica que quando o corpo entra em alerta, há uma rápida liberação de adrenalina, fazendo com que a circulação sanguínea na região do abdômen diminua, contraindo o estômago e liberando uma maior quantidade de ácido. 

Estrear esta coluna , depois de mais de 15 anos escrevendo em terceira pessoa, como repórter, me fez ter esse mesmo gelo no estômago. Essa sensação não é nova. É assim também que me sinto quando chego em uma cidade que não conheço. Viajar para lugares desconhecidos é como abrir novas portas de mundos que você só ouvia falar. Tudo tem a beleza e a surpresa da novidade.

Isso me faz lembrar de uma vez que meu corpo inteiro foi tomado por esse calafrio, como se eu estivesse descendo uma montanha-russa gigante. Eram 11 horas de uma manhã de agosto, quando desembarquei no enorme Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, na França. Durante todo o ano de 2018, trabalhei em coberturas internacionais para uma revista de viagem. Por isso, aeroportos e hotéis eram praticamente minha casa. A missão da vez era cobrir o campeonato Gay Games 2018, uma prévia do que deve acontecer nas Olimpíadas de 2024.

Um pouco afobado, logo depois de passar pela imigração, esperando ansiosamente minha mala na esteira — já pensando em um possível extravio —, um e-mail com o convite de um restaurante local pipocou nas notificações do meu celular. Ao avistar minha bagagem, sai correndo, tentando ler a mensagem, enquanto fazia força para resgatar a mala. Com o passar de olhos, entendi que um restaurante chamado “O’Naturel”, de Paris, estava me convidando para um jantar naquele mesmo dia. Cansado da viagem, ainda um pouco confuso com o novo idioma, aceitei prontamente com um “sim” automático. Fazia 36 graus na rua e achei que uma comidinha leve, bem-feita e natural cairiam bem.

Horas depois, já com outros jornalistas que faziam parte da viagem no saguão do hotel, um colega, que tinha acabado de conhecer, me lembrou que sairíamos em 15 minutos para o tal restaurante. Me adiantei dizendo que só precisava trocar de roupa para seguirmos viagem. Ele devolveu a afirmação com ironia: “Pra quê? Nem precisa de roupa, bobo”, e riu.

Caminhando em direção ao meu quarto — naquele hotel boutique chique na região de Bastille —, reli o e-mail e entendi que o traje obrigatório era a nudez, já que o restaurante celebrava a filosofia naturista. 

Sempre imaginei que minha primeira experiência do tipo seria numa praia, num clube, e não sentado em um restaurante com dezenas de pessoas em volta.

“Como faria se quisesse ir ao banheiro? E se algo quente caísse sem querer em partes sensíveis do corpo?”, questionei mentalmente durante o trajeto. Em poucos minutos, senti outra onda de calafrios quando avistei o letreiro discreto na porta de vidro com uma cortina escondendo o interior. O mais curioso, estava escondido entre casas de um bairro familiar, quinze minutos da Torre Eiffel.

No vestiário com armários e cadeados, a regra já se fazia valer. Roupas e celulares trancados para fora. Da porta para frente, só eram permitidos acessórios, sapatos normais, salto alto ou chinelos de pelúcia, disponíveis com a sua numeração. Calcei meu chinelinho fofo, retomei a respiração com uma puxada de ar forte, e caminhei buscando o mesmo carisma que a Beyoncé faz suas entradas no palco, achando que isso pudesse mascarar minha ansiedade.

As regras de etiqueta que aprendi quando fui modelo infantil vieram a galope logo que sentei à mesa. O guardanapo de cetim foi instantaneamente colocado sobre as pernas. Os primeiros minutos naquela situação andaram devagar, mas conforme o papo na mesa fluía, levando o clima tenso embora, aquela reunião naturista derrubou inúmeros tabus que conservei em 30 anos, por pura falta de vivência.

Comer batata com damasco e camarões parisienses, em uma mesa chique na França, não foi nada mal, mas se eu tivesse vestido, jamais teria sido tão memorável.

Por isso, penso que a vida é como um videogame, no qual você só passa de fase se viver e aprender com excelência o que as fases anteriores te desafiaram. Aprender viajando é um dos combustíveis que fazem a minha trajetória pessoal e profissional valerem a pena neste universo com tantos mistérios.

Com isso, quero levar vocês, leitoras e leitores, junto comigo em cada nova vivência. Encarando os frios na barriga das primeiras vezes, a fim de proporcionar emoções únicas nesta mistura de sentimentos e aprendizados condensados nessas linhas.

Estreio essa coluna com a certeza que é isso que me move como comunicador, jornalista e contador de história. Depois de 13 anos, estou de volta ao iG , sendo recebido como parte de casa, e quero que vocês venham comigo para cada nova aventura. 

Onde ter uma experiência naturista no Brasil?

Na época em que conheci o "O'Naturel" em Paris, o restaurante era novidade, mas assim como ganhou destaque na mídia quando abriu, seu fechamento, em 2019, gerou um novo debate sobre o encerramento de um lugar de inclusão e liberdade.

Em outros lugares do mundo, como Nova York e Reino Unido, você consegue viver a experiência de um jantar naturista. Mas se você prefere algo mais soft para iniciar sua vivência, eu fiz uma lista de praias brasileiras para curtir o dia como você veio ao mundo.

Praia do Pinho (Santa Catarina)

Foi a primeira praia oficial de nudismo do Brasil lá em 1988. Ela é paradisíaca, cercada por costões e vegetação. Tem mais ou menos 500 metros de extensão e o mar é de tombo, com ondas fortes. Tem estrutura como pousadas e áreas de camping na região.

Praia de Pedras Altas (Santa Catarina, Palhoça)

Apesar do difícil acesso, ela está localizada a 30 km ao sul da capital, tem um mar calminho convidativo para um mergulho ou ficar só relaxando. Tem uma estrutura menor com uma pequena pousada, restaurante e área de camping.

Praia da Galheta (Santa Catarina, Florianópolis)

Paredões com grandes pedras fazem o limite do lugar que você já pode tirar a roupa. Paradisíaca, ela tem vegetação nativa, água clara e areia fininha. A trilha até o lugar adequado para a prática do naturismo é de intensidade fácil e tem cerca de 400 metros.

Praia de Barra Seca (Espírito Santo, Linhares)

Para chegar tem um perrenguinho, porque precisa utilizar ônibus e barco. Está localizada no município de Linhares-ES, a 142 Km de Vitória. A praia é pequenininha, cerca de 200 metros de extensão, tem areia grossa e ondas mais fortes. Tem estrutura como churrasqueira, banheiros, chuveiros e áreas para camping, além de pousadas nas proximidades.

Praia Olho de Boi (Rio de Janeiro, Búzios)

Bastante isolada, ela tem um acesso difícil, através de uma trilha íngreme de 600 metros em um morro, mas o visual compensa. São 50 metros de praia linda. Vale o esforço.

Praia do Abricó (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro)

Localizada dentro do Parque Natural Municipal de Grumari, no Rio de Janeiro, ela é a única oficialmente reconhecida como praia de nudismo na cidade. É pequena, tem apenas 250 metros de extensão, mas de paradisíaca. Dá para chegar nela pela estrada de acesso à Prainha, a partir do Recreio dos Bandeirantes. Tem um restaurante próximo e uma barraca de bebidas.

Praia de Tambaba (Paraíba, Conde)

Tambaba é famosa por seus encontros e eventos. Ela é cercada por falésias de 20 metros de altura, trazendo sensação de privacidade, além de um mar bem calmo. Ela está em uma área de proteção ambiental (APA).

Praia de Massarandupió (Bahia, Entre Rios)

A água é quente, e o acesso é feito por uma estrada de areia de cerca de 7 km, próxima à Praia do Forte. Ela é repleta de coqueiros ao longo de sua extensão de areia, tem alguns riachinhos de água doce em torno. É linda.

Mas é bom sempre ficar atento. Para curtir o naturismo é imprescindível seguir as diretrizes locais. Já que a prática é uma filosofia de vida para muitas pessoas. É sempre bom dar uma olhada nas regras específicas do local para garantir que todos tenham uma experiência legal e tranquila.