
Um vídeo despretensioso. Um compilado de gravações que, à primeira vista, pode parecer que carrega uma carga emocional apenas para a família de quem a pertence. Ao fundo, a música que toca é "É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo", de Erasmo Carlos. Entretanto, uma coisa chama atenção: o cenário que essas memórias estão sendo construídas é, na realidade, palco do filme que pode trazer o Oscar para o Brasil.
Com cerca de 800 mil visualizações no Instagram e 1,7 milhão no TikTok, a musicista e estudante de direito Lívia Savini viralizou ao compartilhar nas redes sociais que morou na casa em que se passa o filme "Ainda Estou Aqui", indicado em três categorias no Oscar de 2025.
Ao iG Turismo , a jovem de 22 anos conta que passou cerca de dois anos casa — entre 2019 e 2021: "A gente passou a pandemia lá. Então foi uma época em que a gente estava preso em casa. Com o lockdown, com o confinamento, a gente viveu muito aquela casa."
A estudante morava junto a irmã mais velha, Ornella Savin; o pai, Ricardo Savini; a madrasta, Juliana Garcia dos Santos; e a irmã caçula, Cecília Savini.

Cecília nasceu enquanto a família morava na casa. Para Lívia, o nascimento da caçula foi um dos motivos que fez com que eles tivessem muitas memórias gravadas na residência: "Foi muito especial e, por conta de termos vivido tão profundamente a casa durante a pandemia, acabamos acompanhando muito mais o crescimento dela. Até por isso temos tantos vídeos na casa, porque, quando tem um bebezinho, você filma muito mais. Se a Cecília não tivesse nascido lá, não teríamos todas essas memórias gravadas, esses registros, sabe?"
Saída da casa

A musicista relatou que a família morava de aluguel no imóvel localizado na Urca, no Rio de Janeiro. Certo dia, no entanto, o proprietário comunicou que estava com pretensões de vender. Pelo valor pedido, a família optou por procurar outras opções na mesma faixa de preços, optando por uma casa em Ipanema.
"Sou fissurada na Urca, acho que é um dos melhores bairros que existem. Minha irmã falou várias vezes: 'Vocês vão se arrepender, vocês vão se arrepender'. E ela não estava errada. A gente se arrependeu um pouco, principalmente ao assistir ao filme e perceber o quão especial aquela casa era. Não é à toa que foi escolhida como cenário e que tantas pessoas que viram o filme gostaram tanto dela", afirma a jovem.

Livia explica que, após sair da casa, ela já sabia que algo de grande aconteceria no local: "Na verdade, teve uma coincidência engraçada: a amiga da minha irmã, uma colega de escola, atuou no filme. A gente sabia que um filme estava sendo gravado lá, mas não fazíamos ideia de qual era o filme, qual seria a proporção que tomaria, qual era o tema ou o diretor. Então, foram dois momentos de descoberta: primeiro, saber que a nossa casa apareceria no filme; depois, perceber que era esse filme".
"A primeira vez que a reconheci foi assistindo ao trailer. Eu já sabia que a casa apareceria em um filme nacional e estava atento a isso. Um dia, estava navegando pelo Ingresso.com, vendo opções de filmes para assistir no cinema, quando vi a casa. Falei: 'Meu Deus, nossa casa!'", relata.

Ela explica que a sensação de ver seu lar no trailer foi quase como um "segredo", pois ela conhecia bem o lugar: "Meu pai e minha madrasta assistiram na TV, durante o jornal, quando passou uma propaganda do filme. Eles ficaram em choque: 'Meu Deus, nossa casa!'. Foi um impacto muito grande."
Mas o principal ainda estava por vir: confrontar as memórias que tivera na casa vendo agora ela no cinema. "Cada cena me trazia uma lembrança: 'Esse lugar, eu fazia tal coisa'; 'Aqui, eu praticava bateria'. Aquela casa foi palco de muitas memórias importantes para mim. Foi lá que compus minhas primeiras músicas. Tinha um piano na casa, que até aparece no vídeo que viralizou — aquele em que estou tocando piano com a minha irmãzinha. Foi uma experiência muito louca, muito surreal."
Recepção do público

Livia é bem ativa nas redes sociais, principalmente devido ao seu trabalho com a música. Entretanto, ela não esperava que o vídeo feito sobre sua casa atrairia tantas pessoas.
"Eu já sabia que essa casa estava viral há um tempo, que as pessoas iam até a Urca só para filmá-la por fora. Então, pensei: 'Gente, eu preciso postar esse vídeo, preciso mostrar isso'. Mas eu não estava preparada para a proporção que ele tomou. Eu não estava acostumada com isso, porque é algo raro, difícil de acontecer."
Ela continua: "O que me marcou foram os comentários das pessoas. 'Que memórias incríveis!'; 'Que sonho morar aí!'; 'Nossa, você deve estar se sentindo incrível!'. Essa conexão foi muito legal. E aí veio outra surpresa: a Fernanda Torres viu o vídeo, curtiu, comentou, me seguiu, seguiu minha irmã! Isso foi muito louco!"
Memórias

O filme dirigido por Walter Salles trabalha a percepção de memória, de relembrar as atrocidades acontecidos na ditadura militar através da figura da família Paiva. Ao ser questionada sobre as memórias que ela criou na casa, a jovem detalha alguns momentos importantes.
"Foi lá que compus minhas primeiras músicas e, hoje em dia, estou produzindo essas mesmas canções. De certa forma, estou sempre conectada com aquela casa. Minhas composições dialogam com isso, porque o nome do álbum é 'Ruínas', e ele fala sobre o amor e as construções que o amor deixa. Como o amor permanece e continua existindo nas estruturas que ficam?"
Para ela, de certa forma, a casa mantém suas lembranças impregnadas nas suas estruturas e nunca serão apagadas, assim como de outros que possam ter passado por lá.
"O segundo foi o período em que estudei para o vestibular. Além da música, estudei muito naquela época e foi lá que passei horas focada nos livros, confinada, estudando intensamente. E foi assim que passei em Direito na faculdade. Para mim, essa casa tem um lugar especial, porque foi o cenário de um momento de muita dedicação e conquista."

O último momento foi o nascimento de Cecília, como já citado, que foi o motivo de ter tantos registros na casa.
A casa da família Paiva foi demolida há anos. Entretanto, Livia conclui com uma análise de como é ver seu antigo lar carregando parte dessa história atualmente: "Acompanhamos a casa cheia, com pessoas felizes, depois o desaparecimento do pai trazendo um vazio, até que a casa é abandonada. No filme, não aparece, mas, na realidade, a casa foi demolida. Acho que isso aconteceu justamente porque a casa carregava essa memória e, numa tentativa de apagar essa história, a demoliram."