Praia do Julião - São Paulo: Localizada em Ilhabela, litoral norte do estado de São Paulo, é uma praia de areias finas e brancas, com pedras submersas que formam pequenas piscinas naturais.
Sandra Cárdenas/Flickr
Praia do Julião - São Paulo: Localizada em Ilhabela, litoral norte do estado de São Paulo, é uma praia de areias finas e brancas, com pedras submersas que formam pequenas piscinas naturais.

Na semana passada, o Senado iniciou as discussões sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 03/2022, conhecida como PEC das Praias.  O objetivo do projeto é autorizar a venda de terrenos de marinha para empresas e indivíduos que já ocupam essas áreas.

Atualmente, os terrenos de marinha são áreas costeiras que se estendem a partir de 33 metros além do ponto mais alto alcançado pela maré. Esses terrenos incluem a faixa localizada logo após a praia, onde comumente se encontram hotéis e bares.

De acordo com a legislação vigente, a União, que é a proprietária desses terrenos, permite que pessoas físicas e jurídicas utilizem e até transfiram essas terras para seus herdeiros. No entanto, esses ocupantes devem pagar impostos específicos para usufruir dessas permissões.

Com relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a PEC tira o litoral brasileiro do domínio da Marinha, sendo transferida mediante pagamento para terceiros.

A PEC foi aprovada na Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022 e seguiu para o Senado.  Porém, o projeto ficou parado na CCJ do Senado desde agosto de 2023. No dia 27 de maio, a PEC foi discutida em uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

O caso ganhou grande repercussão após o jogador Neymar Jr e a atriz Luana Piovani trocarem farpas nas redes sociais acerca do projeto.  Mas, afinal, quais as consequências reais para os turistas, caso a PEC seja aprovada?

A pesquisadora em turismo na Universidade de São Paulo, professora Dra. Mariana Aldrigui, conversou com o  iG Turismo  e sanou algumas dúvidas.

1 - De que forma a PEC da privatização das praias pode afetar os preços das viagens?

"Partindo do pressuposto de que a PEC é um estímulo claro à especulação imobiliária, o que se deduz é que haverá aumento do preço dos terrenos, dos impostos e de outros custos relacionados à operação em diferentes localidades, o que imediatamente implica no aumento dos preços de hospedagem", afirma a estudiosa. Porém, ela ressalta que é uma suposição, uma vez que não se sabe exatamente o que poderá acontecer.

2 - Como essa medida pode afetar o acesso às praias para turistas nacionais de todas as classes sociais?

"Ainda que haja uma fala enfática de que não haverá fechamento ou cerceamento de entrada às faixas de areia, o que já é possível verificar em diferentes espaços da costa brasileira é uma inibição da presença de pessoas, especialmente os mais pobres, com atuação de seguranças ou mesmo de intimidação em relação ao comércio ambulante, da presença de crianças, da prática de atividades esportivas, entre outros", afirma.

Mariana continua: "Há que se destacar que as praias são a grande identidade do turismo brasileiro, são a nossa grande área de lazer coletiva e sem preconceito na origem. A praia livre, espaço de descanso, diversão, contemplação e compartilhamento de bons momentos é um dos nossos bens turísticos mais valiosos e é simplesmente inadmissível que estejamos discutindo esse tipo de proposta."

3 - Há benefícios para os turistas em questões de infraestrutura e segurança com as privatizações? 

"Só é possível assumir que existem tais benefícios se partirmos do pressuposto que a exclusão é algo aceitável. Naturalmente, se os diferentes níveis de governo não se comprometem com a manutenção da qualidade ambiental, de infraestrutura e de segurança para os moradores e para os visitantes, os empresários que atuam no setor vão trabalhar para isso", diz a professora.

"E argumentarmos que os empresários são os únicos que se interessam pelo desenvolvimento adequado do turismo é uma sinalização de que: ou turismo não é relevante (socioeconomicamente) para nenhum ente da federação; ou o turismo só é realizado por quem tem muito dinheiro disponível, o que, sabemos, não é verdade."

4 - Como a privatização das praias pode afetar as economias locais que dependem do turismo de praia?

"Aqui a análise depende sempre do recorte – em áreas em que se enxerga a possibilidade de implantação de produtos novos, é possível pensar em efeitos positivos. Porém, são raros os espaços litorâneos que já não estejam ocupados e com toda uma economia estruturada. Considerar os efeitos positivos é sempre mais fácil, mas poucas são as estratégias já desenhadas para reposicionar os pequenos negócios, os ambulantes, os moradores das áreas que serão alteradas. E aí veremos o efeito mais perverso do turismo: a melhoria para o visitante, expulsando os residentes de onde sempre estiveram."

5 - No final, é esperado que uma possível privatização possa impactar no número de viagens feito para regiões litorâneas?

"Partindo do pressuposto que mais empreendimentos serão construídos ou adaptados pensando em uma valorização do local, o que se entende é que haverá uma dispersão espacial com reorganização do uso, podendo levar a maior concentração de pessoas em áreas com produtos que atendam diferentes padrões de consumo."

"A sensação que tenho é de uma proliferação de áreas com ambições de elitização, mas nada garante que isso não estimule também episódios de animosidade (como o #touristsgohome e #youarenotwelcome na Europa), violência direcionada a turistas, e outros episódios em reação. Reitero – o Brasil é fundamentalmente percebido como um destino de sol & praia, tanto para o turismo doméstico como para o internacional, e esse movimento é completamente equivocado em todos os sentidos que consigo analisar", finaliza.

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