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Quantidade de chuvas acima do normal no ano faz florescer o deserto mais seco do mundo

O deserto mais seco do mundo está coberto de flores após o inverno mais chuvoso em décadas. Muitas das 200 espécies de flores nativas estão crescendo na areia depois de chover em um mês cinco vezes a quantidade de chuvas em um ano.

No Parque Llanos de Challe, nas portas do deserto de Atacama, a 600 km de Santiago, as flores podem ser vistas todos os lugares, emergindo da areia, ao redor dos cactos, penduradas nas rocha.

Flores cobrem de Deserto de Atacama no Parque Nacional Llanos de Challe
AFP
Flores cobrem de Deserto de Atacama no Parque Nacional Llanos de Challe
A precipitação anual no Atacama é normalmente de um milímetro por ano, sendo que em algumas partes do deserto nunca houve registro de chuvas. A vida vegetal esparsa que existe no deserto normalmente recebe a água necessária a sua sobrevivência da névoa espessa vinda do oceano que passa pela região.

Os mecanismos que tornam o "deserto florido" são quase desconhecidos. Sabe-se que El Niño, o fenômeno climático que varre o litoral do Pacífico da América do Sul a cada 6 ou 7 anos, traz as chuvas necessárias para a germinação de bulbos e rizomas, que podem permanecer latentes durante décadas.

"Este é um ano excepcional, pois já choveu mais de 50 milímetros. As flores começam a crescer a partir de 15 mm por ano e, neste ano, todas as espécies brotaram", explica à AFP Carla Louit, diretora do parque.

O volume das chuvas é importante, mas não é tudo. É preciso ainda que aconteçam em intervalos regulares, nem muito fortes nem muito esparsas, e que as geadas não venham a interromper a germinação durante o inverno austral.

Ano com muitas chuvas ajudaram boa parte das 200 espécies nativas emergir na areia
AFP
Ano com muitas chuvas ajudaram boa parte das 200 espécies nativas emergir na areia
Se essas condições forem reunidas, o deserto florido pode durar de setembro a dezembro.

"A última vez que houve tantas flores foi em 1989. A partir daí houve algumas floradas, mas não como a de agora", maravilha-se o padre Lucio, sacerdote de uma aldeia vizinha e botânico amador.

O parque nacional foi criado em 1994 para proteger este ecossistema da intensa atividade mineira na região.

"Temos mais de 200 espécies de flores endêmicas, que não crescem em nenhum outro lugar do mundo, entre elas 14 em risco de extinção", precisa Yohan, um guarda do parque, que lamenta as práticas de alguns visitantes.

"Há gente que arranca as plantas para levar para casa, mas, evidentemente, elas não vão crescer fora daqui", reclama.

Entre as espécies ameaçadas está a emblemática 'Garra de Leão' (Leontochir Ovallei), uma flor de grandes pétalas vermelhas. "Ela é a última a dar flores porque seus bulbos são enterrados muito profundamente, pelo que é preciso muita água para fazê-la sair", explica o padre Lucio.

"Ela é monotípica, é a única representante de sua espécie na terra", comentou ele emocionado.
Faltam recursos para a vigilância do parque. Atualmente são "cinco guardas em turnos para mais de 45.000 hectares", comenta Carla Louit. Segundo ela, os funcionários procuram sensibilizar os visitantes logo na entrada do parque, assim como em sessões de educação ambiental de grupos estudantis.


Veja galeria de fotos do deserto florido


O fenômeno do deserto florido ainda é pouco conhecido pelos pesquisadores. “Existem poucos estudos completos sobre ele, apenas pontuais sobre alguns de seus elementos", explica Carla Louit. "Não há recursos governamentais para estudar um fenômeno tão esporádico".

Sem dados científicos, um plano de conservação torna-se mais difícil. "Ignora-se, por exemplo, o papel das transferências entre as águas que formam as névoas litorâneas e o deserto - fenômenos pelo menos tão importantes quanto as precipitações diretas".

A falta de conhecimento também atrapalha a promoção do turismo. Este ano apenas 1.200 chilenos e 64 turistas estrangeiros visitaram o parque.

"Como a floração pode se antecipar meses antes, é difícil ter os turistas estrangeiros como alvo", lamenta Carla Louit.